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Uma noite, no verão dos dezesseis, Calum jogou pedrinhas na janela redonda do meu quarto em Windemere. Quando coloquei a cabeça para fora, pude vê-lo de pé entre as árvores.

Os olhos amendoados brilhavam pelo reflexo da lua enquanto me esperava aparecer.

— Estou com desejo de chocolate. — ele disse sussurrando. Mas, pelo silêncio da noite, parecia gritar. — Vamos assaltar Clairmont?

Saio da casa em silêncio e o encontro no último degrau da varanda. Recebo um beijo na testa como cumprimento e vamos andando de mãos dadas pelos acessos. Ele me puxava, guiando o caminho.

Nós demos a volta pela lateral da grande casa, que levava a um quartinho cheio de raquetes de tênis e toalhas de praia.

Com uma mão empurrando a porta de tela, Calum se virou e me puxou mais para perto. Ele pressionou seus lábios quentes aos meus e acariciou o contorno do meu rosto como se dissesse: "ei, estive com saudades." Mesmo que tivéssemos passado o dia inteiro juntos.

Por um instante, nós estávamos sozinhos no universo. Contemplando a imensa vastidão do céu, o futuro e o passado se espalhando à nossa volta.

Empurro Calum para dentro quando separamos o beijo.

As malditas borboletas batiam as asas tão ruidosamente dentro de mim, que eu tinha medo que Calum pudesse ouví-las.

Ao atravessar o quartinho, tínhamos acesso à grande dispensa de Clairmont. Com prateleiras grossas e reforçadas, que pudessem aguentar o peso de estoques de caixas de madeira com queijo cremoso, potes de geleia, água com gás em garrafas de vidro e chocolate belga. O ambiente é climatizado para a conservação dos alimentos, com o ar mais seco e mais fresco do que o lado de fora.

— Deixe as luzes apagadas. — Calum repreende assim que levo a mão até o interruptor de luz ao lado da porta. — Assim, ninguém desconfia que estamos aqui.

Entrava apenas feixes da luz da lua pela báscula no canto do cômodo para iluminar nossos rostos. Tenho com tanta clareza os traços de Calum salvos em minha memória, que eu não precisava de luz nenhuma para acender o que eu sentia por ele, e ainda sinto.

— Tudo bem. — sussurro de volta.

Seria difícil avô Harris perceber o grande assalto. Sozinho em Clairmont, ele não usava seu aparelho auditivo. Mas, de qualquer forma, era melhor sermos cuidadosos.

Até que escutamos uma conversa se aproximando.

Eram as tias, atravessando os cômodos da casa, pisando forte com seus sapatos caros no assoalho e conversando alto. Como se estivessem discutindo, outra vez.

— É por isso que as pessoas se matam. — diz tia Liz com amargura. — Eu devia sair daqui antes que fizesse algo que me arrependeria.

Olho para Calum. Ele, por reflexo, tampa minha boca com as mãos e me puxa para baixo, onde ficamos sentados e espremidos entre as estantes de comida.

— Você não está falando sério. — tia Paige comenta.

— Não me diga o que pensar! — tia Liz esbraveja. — Eu tenho três filhos para criar. Você tem apenas Michael. Não precisa de dinheiro como eu.

Arregalo os olhos para Calum. Ele parece tão surpreso quanto eu.

— Você já conseguiu a casa de Boston! — ouço minha mãe. A voz embargada. Ela está muito bêbada. — Deixe a ilha!

— Quem organizou o funeral da mamãe? — retrucou tia Liz. — Quem cuidou do papai e providenciou as papeladas?

— Você mora perto dele. — tia Paige quase grita. — Não deu tanto trabalho assim. Não se faça de vítima.

we were liars - cthWhere stories live. Discover now