Capítulo Vinte e Cinco

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Pela primeira vez em anos caminho tranquilamente pelo jardim da casa dos meus pais. É noite e deixei minha moto no começo da rua, porque não queria que eles percebessem minha chegada. Eu desejava apenas caminhar, andar pela vizinhança como fazia quando era adolescente. A noite escura, admito, mexe comigo, faz com que eu me recorde de um garoto bebendo escondido junto aos amigos, enquanto o irmão mais novo o procurava em busca de atenção. Vivi tanta coisa neste lugar. Ainda posso recordar as discussões com Morgan, quando ele me encontrava bêbado ou, pior ainda, caído pelos cantos depois de passar dias fora de casa. Não esquecerei jamais a imagem de minha mãe me defendendo e prometendo ao marido que o filho desordeiro iria melhorar.

As luzes da casa estão acesas e, pela extensa janela da cozinha, na lateral da casa, posso ver a silhueta de uma mulher caminhando pelo cômodo. Sorrio, ao reconhecer a sombra da minha mãe, seu cabelo preso no alto da cabeça — provavelmente preso por um lenço. Com certeza está usando um de seus aventais de flores amarelas. Apoio-me a uma árvore do jardim e fico observando-a por alguns minutos, percebendo o quanto sinto saudades dela. É claro que a vejo sempre que posso, mas é inevitável dizer que algo mudou nesses últimos anos em nossa relação. E a culpa é minha.

A sombra de Morgan aparece ao lado da minha mãe, tocando seu rosto e seu ombro, saindo rapidamente em seguida. Pouco depois, a porta da frente é aberta e ele sai de casa, caminhando até a garagem. Não me vê, e eu continuo oculto. Espero até que ele sai com o carro, para finalmente decidir entrar em casa.

Penso em entrar diretamente, sem avisar, mas reconsidero rapidamente porque tenho medo de assustar minha mãe, que não gosta de surpresas como esta. Toco a campainha e espero, até que ela atende abrindo a porta devagar.

— Morgan, você esqueceu a chave? Oh... Savi?! — Quando me vê, ela abre um sorriso radiante.

Sorrio também, encantado por vê-la tão linda, vestida daquela forma tão simples. Caminho até ela e a puxo para um abraço. Envolvo minha mãe em meus braços e a ergo do chão, seus braços curtos e gordos agarrados ao meu pescoço, enquanto ela ri como uma criança. Estou finalmente abraçando minha mãe; como queria ter feito isso há muito tempo. É tão bom, sinto-me bem, é como se eu voltasse ao passado e fosse aquele garoto novamente.

— Ethan veio com você? — ela pergunta olhando para fora, espiando atrás de mim.

— Apenas eu — respondo segurando suas mãos.

Fecho a porta atrás de mim e nós caminhamos até a cozinha, minha mãe me arrastando pela sala, desesperada para chegar ao seu fogão.

— Seu pai foi ao supermercado comprar vinho para o pato que estou preparando — ela diz e eu faço uma cara de nojo, porque há pouco descobri que, no encontro que tive com Millie, um dos pratos que comemos no restaurante era algum tipo de mousse de fígado de pato. — Você está diferente, filho. É seu cabelo?

— Não, mãe. Meu cabelo está exatamente do mesmo jeito, apesar de eu ter aparado minha barba — digo, enquanto abro a geladeira por puro hábito. Algumas coisas nunca mudam.

Minha mãe corta alguns temperos e tomates na mesa da cozinha, mas seus olhos estão me perscrutando, olhando-me de cima a baixo. Tenho vontade de rir, porque sei o que ela está fazendo.

— Sem novas tatuagens, mãe — falo sorrindo, apontando para meu corpo. Minhas tatuagens nunca foram realmente um problema para minha mãe, uma grande devota religiosa, que sempre aceitou o fato de o filho mais velho ter dezenas de desenhos gravados na pele.

— Ainda estou esperando o momento em que irei ver meu próprio rosto tatuado em seu bíceps, Savi. — Ela dá de ombros. — Ou quem sabe o rosto de alguma garota.

Dissoluto (livro 1) - Série The Underwood's.Onde histórias criam vida. Descubra agora