Escolhas

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Existem situações onde tomamos uma decisão pensando que ela vai ser o melhor para todos ao nosso redor. Às vezes nem pensamos direito antes de escolher algo, não consideramos a vontade das outras pessoas envolvidas na situação. E também tem coisas que parecem estar destinadas a acontecer apenas no momento certo, independente de qual seja o caminho que te leva até lá. Há cerca de dez anos, em uma tarde calma de primavera, uma escolha errada complicou um pouco mais o caminho até o futuro de Crowley e Aziraphale.


Sentado na grama recém-aparada, no centro de uma praça em Londres, estava Aziraphale. Ele era uma pessoa bonita, tinha os olhos claros e os cabelos loiros. Parecia não se importar em sujar suas roupas claras e bem alinhadas, já que estava com as costas apoiadas em um nodoso tronco de carvalho. Ou talvez ele só estivesse distraído demais lançando pequenos milagres para alguns moradores daquela região.

Ele estava olhando uma garotinha tentar andar de bicicleta quando notou a pessoa que passava ao seu lado: Crowley. Sorriu e se apressou em marcar a página do livro que estava em suas pernas, em seguida levantando para cumprimentar o amigo que vinha em sua direção.

— Crowley! — Ele beijou levemente sua bochecha. — Você está atrasado, estou aqui há uma hora!

— Boa tarde pra você também. — Crowley falou e resmungou algo como 'você e esses beijos', passando a mão na bochecha corada.

Aziraphale apenas ignorou e sentou novamente, já acostumado com as reações do demônio. — Boa tarde, querido. — ele sorriu antes de continuar a falar — Está tudo bem?

— Sim, tudo bem. — Crowley o respondeu e fez questão de se certificar que estava em uma "distância segura" do amigo.

— Eu pensei que você não viria mais. — Aziraphale comentou, arrumando sua gravata borboleta em uma mania já tão conhecida pelo outro. — Estive aqui lendo um livro enquanto você não chegava.

— Eu sempre venho. —

— Eu sei. — Aziraphale o olhou com carinho.

Crowley estava desconfortável e tentou relaxar seu corpo contra o tronco da árvore, mas ele sentia que estava prestes a surtar. Aziraphale não deixou de notar isso, ele o conhecia bem demais, sabia que algo estava acontecendo. — Crowley, — ele começou, tentando manter a voz calma para deixar que o outro falasse em seu próprio tempo. — se tiver algo errado você pode me falar se quiser.

Crowley acenou uma afirmação com a cabeça, mas não olhava em sua direção. Ele mantinha o olhar longe e parecia até um pouco perdido. Passava as mãos nas coxas, sobre a calça escura que vestia, e pensava em como deveria abordar aquele assunto. Sabia que não tinha um jeito fácil de fazer isso.

— Azi, a gente precisa conversar sobre uma coisa. — ele virou em direção ao anjo ao falar.

— Pode falar querido, eu estou prestando atenção. — Aziraphale segurou uma de suas mãos.

Se Crowley não estivesse com os olhos cobertos pelos óculos escuros, o anjo poderia ver a dor em seu olhar. Não era fácil, mas, para ele, aquilo era o certo. E ao olhar as mãos dos dois unidas entre eles, Crowley sentiu seu mundo desabar aos poucos. Ele iria sentir falta de estar ao lado do anjo, mas Aziraphale era uma pessoa muito pura e Crowley precisava o proteger de si mesmo.

— Crowley? —

— Desculpa, meu anjo, eu estava pensando. — ele sorriu tentando disfarçar seus sentimentos.

— Está tudo bem. — Aziraphale então apertou sua mão para mostrar que estava ali. — É sobre o que você quer me falar?

Crowley assentiu e o outro, pacientemente, esperou que ele começasse a falar.

— Eu vou ter que fazer uma coisa, anjo. Não vai ser fácil, mas vai ser o melhor para nós dois, você entende isso?

O anjo assentiu ainda um pouco confuso e pediu para que ele explicasse melhor, já pensando que poderia ser algo relacionado aos seus antigos companheiros no céu e inferno.

— Você sabe que é meu melhor amigo, não é? — Crowley sentiu a culpa pesar em seus ombros ao que Aziraphale assentiu novamente, dessa vez sorrindo. — Só que eu vou precisar me afastar, eu não posso mais te ver ou ter contato com você. — Ele disse sem olhar nos olhos do outro, sabendo que as chances de voltar atrás em sua decisão eram grandes.

— Crowley, já disse que não gosto dessas brincadeiras. — Aziraphale o respondeu um pouco chateado, indo com a mão em direção ao seu livro, destinado a voltar para sua leitura e ignorar o amigo.

Estava sendo mais difícil do que Crowley imaginava.

— Aziraphale... — O anjo caído o chamou. — Olha para mim, é sério. — Ele colocou as mãos nos ombros do loiro e o virou em sua direção, sentindo sua respiração falhar ao ver seus olhos marejados. — Eu não faria algo assim se não fosse realmente necessário, eu não quero te magoar.

— Você já está fazendo isso. —

— Eu só quero te proteger. — Ele falou baixo, esperando que o anjo entendesse o que ele estava fazendo.

— Me proteger? De quê, Crowley? —

— Eu sou um demônio. Eu não deveria estar perto de você. As coisas estão confusas. — O ruivo sussurrou a última parte, esperando que Aziraphale não ouvisse.

— Eu acho que já tivemos essa conversa antes e você mesmo disse que temos o nosso próprio lado. —

— Eu não posso mais fazer isso, não dá. — Ele disse, já levantando e deixando o anjo para trás. — Me desculpa, Azi. Um dia você vai me entender.

Crowley passava a mão em seus cabelos, estava nervoso. Sentia sua boca seca com vontade de voltar atrás e pedir desculpas. Mas ele não podia, estava doendo demais toda aquela situação na qual ele se encontrava nos últimos tempos. Não poderia arriscar ficar perto do anjo e o estragar, era o que pensava. Então ele olhou uma última vez para Aziraphale, que parecia atordoado, e foi embora sentindo um nó em sua garganta.

Aziraphale não esperava por isso, ele nem mesmo sabia o que fazer naquele momento. Queria levantar e ir atrás do amigo, mas seu corpo parecia preso no lugar. Esperava qualquer loucura vinda de Crowley, desde uma viagem inesperada para algum lugar ensolarado até abrir uma livraria e começar a se vestir com ele, com uma bela gravata xadrez. Qualquer coisa, menos o deixar.

Eles estavam juntos desde o início, e nenhum momento em todos esses anos Aziraphale pensou que isso poderia acontecer.

Anos passaram e ele ainda se perguntava o porquê de o amigo decidir ir embora. Nem mesmo Crowley entendia mais porque havia feito aquilo, foi claramente uma decisão mal pensada. Claro, ele cogitou voltar no minuto seguinte em que saiu da praça, mas ele acreditava estar fazendo o melhor para Aziraphale.

Já fazia uma década desde o último encontro entre os dois, quando Crowley apareceu rapidamente para deixar alguns livros de Aziraphale, uma desculpa que deu para poder ver o anjo uma última vez. E em todos os anos que se passaram, não houve um único dia no qual Crowley não tivesse pensado em voltar para pedir desculpas e deixar com que Aziraphale falasse o quanto ele havia sido idiota. Ele nem ao menos tinha certeza que o anjo o perdoaria depois de tudo.

Ele realmente acreditou um dia que estar longe do anjo iria ser algo bom?

Era exatamente para isso, para mudar uma situação em que colocou os dois no passado, que Crowley estava em Londres novamente. Era uma madrugada e ele estava um pouco mais bêbado do que deveria, mas tudo bem. Seus cabelos estavam bagunçados e levemente molhados pela breve chuva, ele dava alguns passos errantes em direção à livraria à sua frente, com um sorriso nos lábios finos. E apesar de toda a desordem do momento, uma coisa estava certa: Ele iria, finalmente, declarar todo o seu amor por Aziraphale.

Fix youWhere stories live. Discover now