Capítulo II - Pretendente a amigo

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O dia parecia correr com uma velocidade incrível para ambos, que se quer se lembravam que o dia tinha horas, e se deram conta de que a palestra havia acabado quando os corredores da universidade voltou a bagunça de sempre.

As conversas entre os jovens eram sempre as mesmas: trabalho, estágio, faculdade e relacionamentos.

Depois de séculos observando os humanos, Gael sabia um pouco de como eles deveriam se comportar dentro de um namoro, mas não tinha total certeza de como funcionava a questão dos sentimentos, principalmente das mulheres que pareciam uma caixinha de surpresas.

Lavínia por outro lado já conhecia bem o lado íntimo daqueles seres mortais, ela entendia principalmente como funcionava a química entre eles, já que seduziu muitos ao longo dos anos, e para ela, estava na vantagem.

Ambos travavam uma batalha silenciosa, nenhuma palavra precisou ser dita, mas a aura de ambos ganhou força o suficiente para causar quatro tipos diferentes de calafrio em Erick que estava apenas tentando voltar para casa sem ser atropelado ou então assaltado. Por fim o garoto balançou a cabeça com força como se isso fosse lhe livrar dessa energia negativa, já que suas tentativas de seguir os jovens místicos nunca funcionaram.

— Lavínia, você está assustando todos os meus amigos. — Gael falou com toda a calma do mundo enquanto segurava nos braços um cachorro com o pelo fino que tremia sem parar. — Olha só, esse tem até um nome!

O anjo parecia realmente admirado enquanto encarava a marcação no pingente que estava pendurado na coleira vermelha como se aquilo fosse uma grande coincidência do destino para que aquele animal se tornasse dele.

— Primeiro, tem que rever as suas amizades, fala do Erick mas está no mesmo nível no fundo do poço. Segundo...esse cachorro tem dono, Gael, é isso o que uma coleira significa, e você sabe disso.– A voz da demônio parecia um pouco sarcástica, apesar de haver preocupação.

Gael sempre tentava adotar os cachorros de rua, mas ao se lembrar que não tinha casa para amparar os coitados, voltava como um cão abandonado para a mulher de pele retinta.

— Sério...devia rever essa sua obsessão por essas coisas de rua.– O olhar que ela recebeu foi mais que o suficiente para se calar. Eles haviam brigado por muito tempo sobre esse tópico.– Eu sei, eu sei, humanos são muito mais sujos que os cachorros e blá, blá, blá.

— Eu não tenho nada e mesmo assim eles gostam de mim, essa é a forma mais pura de amor. — O albino falou enquanto abraçava o cachorro com ainda mais força como se estivesse prolongando o tempo que eles teriam até a despedida. — Bem diferente dos pobres humanos que você atormenta sugando suas energias nas noites que está entediada.

Com o tempo os passos do anjo foram diminuindo já que não se perdoaria se levasse o cachorro ainda mais longe, seria mais doloroso se continuasse mantendo as esperanças sobre algo que não funcionaria.

— Você já se imaginou sendo humano?– Lavínia perguntou, diminuindo o passo conforme Gael olhava para trás e parava aos poucos.– Sabe? Vivendo em casas, tendo que trabalhar para ter dinheiro, se não acaba morrendo de fome. Tudo bem que é algo patético essa necessidade desenfreada por dinheiro, mas querendo ou não é necessário.

A demônio bufou baixo, para ela dinheiro era fácil e simples de se conseguir, então nunca lhe foi problema, mas o anjo não tinha ideia de como um sistema capitalista funcionava.

— Eu amo os humanos, mas não sei se conseguiria viver como eles ou entre eles. — O pensamento do albino parecia estar realmente distante enquanto ele se abaixava para fazer um último carinho no bichinho de estimação. — Algumas coisas são demais para mim, não sei se conseguiria me sair tão bem.

Aos poucos Gael perdeu de vista o cachorro com a pelagem escura do qual havia conhecido a menos de quinze minutos e ainda assim havia se apegado demais. Ele sentia seu peito pesar de alguma forma, mas não conseguia sentir nada além disso, como se suas emoções estivessem sempre vagas demais.

— Mas acho que seria legal ter um lar, com pessoas te esperando para o jantar e interessadas em saber como foi seu dia. — Coçando a nuca meio sem graça o albino voltou a se levantar encarando a mulher ao seu lado. — E você? Não quero presumir sua resposta, mas acho que já sei.

— Só porque eu transo com eles não significa que gosto dos humanos ou queira ser um!– A demônio parecia realmente ofendida com a questão, já que ela sim havia tido contato o suficiente com os mortais.– O tempo inteiro eles sofrem, têm problemas emocionais e psicológicos, uma pressão imensa da "sociedade" em que vivem, cobrança para ser alguém no mundo e fazer história. Acho que seria meu pior pesadelo.

Com um olhar perdido, Lavínia voltou sua atenção para o horizonte, a vista da Avenida Paulista com as cores vibrantes em tons de laranja entravam em contradição com as luzes artificiais dos postes, mas que formavam uma bela obra de arte.

— De que me adianta ser um humano se eles se quer apreciam algo que somente eles podem sentir? Nem se quer observam o sol se pôr.– Os olhos negros se reviraram numa preguiça imensa.– Vamos, está ficando tarde e Erick já deve estar em sua casa.

Quanto a isso os dois pareciam concordar e seguiram o caminho sem mais interrupções, apenas continuando uma conversa da qual eles não pareciam se cansar nunca já que essa estava sendo mantida por milênios. Gael vez ou outra começou a divagar, o que não era do seu feitio, mas estava se tornando cada vez mais frequente.

E de novo eles se viram em frente ao portão branco com a pintura descascando do qual Erick sempre deixava a obrigação de lixar para o dia seguinte, e todos daquela velha república sabiam que ele nunca iria fazê-lo. O humano estava ocupado demais jogado no sofá enquanto desabafava com pessoas que conheceu na internet sobre como havia sido incrível a conversa de três minutos que ele teve com aquela garota.

Os dois seres imortais esperaram pacientemente até Erick sair de sua casa vestindo um uniforme amarelo e vermelho.

Como todos os outros dias, ele já estava atrasado para o seu turno na lanchonete velha que ficava a algumas estações de sua casa, mas naquele dia a sua felicidade era maior que sua preocupação, e o sorriso estampado em seu rosto deixava claro que nada iria abalar seu bom humor, até a lanchonete começar a lotar com as pessoas que estavam se preparando para ir para a balada fazendo o famoso "esquenta".

Pessoas de todos os estilos passava por lá, e isso era o que fazia o jovem estudante gostar de seu trabalho. Ver pessoas novas e observar as suas vidas era algo interessante para Erick, mas sempre existiam clientes fixos, e aquela noite não foi diferente.

Como já era de costume, Levi, o cliente mais fiel da lanchonete estava sentado em uma das mesas com uma postura impecável e olhar impaciente enquanto encarava o relógio de pulso que brilhava mais que as estrelas no céu. Se comparado à ele, todos os universitários que ocupavam a lanchonete pareciam maltrapilhos, já que o estudante da Mackenzie estava vestido formalmente em todas as ocasiões que passou por ali.

—O de sempre? — Erick perguntou amigavelmente, ele parecia ser o único atendente com coragem o suficiente para se aproximar do homem de pele retinta e cabelos crespos que estava cercado por uma aura esnobe de quem não queria ser incomodado.

Ao contrário do que muitos esperavam, Levi se mostrava extremamente respeitoso com o garoto desajeitado que levou apenas alguns segundos para voltar para trás do balcão anotando o pedido. Eles repetiam aquilo todos os dias com exceção de alguns eventos que Levi precisava comparecer.

EfêmeroWhere stories live. Discover now