Capítulo VI - O maior idiota do mundo

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Erick tinha um grande borrão branco nas suas memórias, alguns copos foram suficientes para apaga-lo e o garoto não fazia ideia de como havia conseguido chegar na velha república.

Diferente de Gael que conseguia se lembrar perfeitamente de todos os ocorridos, incluindo aquele bendito beijo. Ele sabia que as consequências viriam em algum momento e talvez aquela manhã escura carregada por nuvens cinzas fosse um prévio aviso, tentar não pensar a respeito não iria mudar o que aconteceu.

Como em todos os outros dias, o estudante de odontologia conferiu a previsão do tempo assim que acordou, mas a sua dor de cabeça era tanta que ele nem mesmo conseguiu se lembrar de pegar o guarda chuva. Os avisos de Gael foram completamente ignorados e Erick saiu em disparada tentando correr contra o tempo para chegar até o metrô, mas as gotas pesadas da chuva começaram a cair assim que ele cruzou o quarteirão.

E assim, a chuva desabou de uma vez na cidade, pegando todos desprevenidos, inclusive as pessoas no ponto de ônibus pelo qual Erick passou correndo. Quando finalmente chegou na velha estação da República, o garoto finalmente respirou fundo, tomando de volta seu fôlego por ter corrido tanto.

Vendo como aquele local estava cheio por conta da possível enchente que viria mais tarde, ele se apressou a pegar seu cartão para passar na catraca. Era comum pessoas mal educadas cortarem a fila sem vergonha alguma, e tendo em vista que uma pessoa tentava burlar a sequência de pessoas, Erick se apressou para ir mais rápido em direção a catraca.

Por não esperar o tempo do seu cartão aprovar, a catraca não abriu. O garoto de cabelos bagunçados bateu com a barriga contra o ferro gelado da trava de segurança, e por estar correndo, seu corpo virou de ponta cabeça, o deixando completamente enroscado em sua mochila surrada.A cena vista de fora era cômica, mas Gael observando aquilo apenas sentia uma profunda dó daquele garoto.

Toda a movimentação chamou a atenção dos guardinhas daquela estação que se aproximaram para ajudar o garoto o mais rápido possível, a sua mochila havia se prendido entre as barras de ferro e isso fez com que uma multidão de pessoas parassem para assistir. Aqueles minutos pareciam durar horas e quando finalmente conseguiu se soltar Erick estava completamente vermelho, nem mesmo olhou para trás antes de apressar os passos.

Sem nem mesmo prestar atenção o garoto entrou na cabine aberta no metrô, tinha bem menos pessoas do que de costume e isso era bom, ele não queria estar cercado de uma multidão tão cedo. Agora com mais calma, Erick, se sentou apoiando a mochila em seu colo e só nesse momento percebeu o quão molhada ela estava, o que não era muito diferente de si mesmo.Seus cadernos estavam encharcados e ele preferiu nem mesmo checar o estado do jaleco branco para não ficar ainda mais triste. Foi nesse momento que uma voz alta anunciou soou pelo metrô. 

—Próxima estação, "Next station", Luz. Desembarque pelo lado direito do trem...– Assim que a voz robótica parou de falar, o garoto se levantou de uma vez, arregalando os olhos castanhos, finalmente percebendo que estava indo para o lado oposto do que deveria.

Gael observando aquilo bateu com a mão contra a própria testa, nem mesmo ele, um ser celestial acreditava que seria possível haver tanto azar numa pessoa.
O atraso pela troca de metrô foi de alguns minutos, mas que o fez se atrasar para a aula, e assim que entrou na sala, o professor o mediu de cima a baixo com os olhos.

— Está atrasado, hoje é prova, garoto.– A voz de tom esnobe do professor parecia uma farpa arranhando na garganta, e o fato de ter uma prova durante uma aula complementar de sábado o deixava sem vontade de rebater. Ele se apressou para se sentar em seu lugar ao lado de Michelle que parecia bem concentrada ali.

Ao menos para essa prova ele estava preparado, isso lhe dava uma sensação boa de que seus finais de semana estudando não haviam sido em vão. Um sorriso esboçou no rosto do garoto, mesmo aquele sendo um final de semana terrível ao menos uma coisa ele sabia que não conseguiria falhar.

Depois de alguns minutos em silêncio respondendo às questões, Erick notou uma movimentação discreta tentando chamar a sua atenção, e pelo canto do olho pode enxergar Michelle que o olhava fixamente. A loira fazia um sinal com os dedos pedindo a resposta de uma determinada questão e ela não parecia querer desistir tão cedo de conseguir.

Erick olhou ao redor, e quando teve certeza de que não havia ninguém olhando se curvou um pouco para o lado.

— Canal, a resposta é que faz canal!– Ele sussurrou baixo, mas o olhar de confusão da loira mostrava que ela não havia entendido bem.– Canal, ca-nal!

Novamente o moreno repetiu a resposta separando as sílabas, e mesmo um pouco incerta, Michelle escreveu a resposta que entendeu. Não demorou um minuto inteiro para o horário da prova terminar, e com isso o professor recolheu as folhas dos alunos, lendo uma por uma enquanto todos ficavam ainda mais tensos.

—Quem é Michelle?– O professor perguntou num tom ligeiramente rude, e com medo, a estudante ao lado de Erick levantou a mão.– Bem, eu creio que o procedimento feito para retirar a polpa danificada do dente não seja "via anal", como a senhorita escreveu...

As risadas que começaram com pequenos sussurros logo acabaram tomando conta da sala e nem mesmo a advertência do professor serviu para controlar aquela situação. Michelle apertou os punhos com força e abaixou a cabeça rindo junto com os seus colegas, mas qualquer um perceberia que aquilo era por puro nervosismo, ela não sabia lidar muito bem com o constrangimento.

Já irritado com a falta de disciplina o professor liberou os alunos que saíram da sala as pressas arrastando qualquer um que estivesse no caminho juntos, como se fossem uma onda e não foi diferente com Erick e Michelle que já se encontravam no corredor lotado. A garota parecia ter dificuldade em encontrar as amigas, e estando sozinha não tinha toda aquela pose intimidadora de sempre.

Erick segurou no ombro da garota loira, e antes que ela pudesse reclamar da proximidade em que estavam, Erick apontou para o corredor da cafeteria, onde outras duas garotas loiras andavam de braços dados. Agradecendo com um gesto com a cabeça, Michelle se afastou do estudante, andando em direção as suas amigas com pressa.

Erick já estava cansado demais graças a toda a confusão de mais cedo, então decidiu ir para seu trabalho direto, afinal, Levi ia todos os dias para lá.Mas naquela noite foi diferente.

As horas estavam passando mais rápido do que deveriam e a cada cliente que passava pela porta de vidro, Erick torcia para que fosse o seu amigo, ele esperou até o final do expediente mas Levi não apareceu e nem mesmo respondeu as suas mensagens. Gael encarava toda aquela situação em silêncio, não havia muito que ele pudesse fazer, apenas confortar um pouco o seu humano com um toque leve.

O garoto com os cabelos bagunçados segurou as alças da sua mochila com força, tentando descontar um pouco da sua frustração ao atravessar as ruas de São Paulo, mas ele já havia segurado por tempo demais tudo o que estava sentindo. Ele seguiu todo o seu caminho com a cabeça baixa enquanto tentava disfarçar a cara de choro, cada lágrima que escorria pelo seu rosto parecia ser por um motivo diferente e Erick apenas deixou que todas elas caíssem de uma vez.

Gael não poderia ajudar e interferir mais do que já havia feito, então apenas parou no meio do caminho, observando as costas de Erick enquanto o mesmo andava em direção ao ponto de ônibus.

— Finalmente eu te achei, te procurei o dia todo!– A voz inconfundível de Lavínia chegou até os ouvidos do anjo, o fazendo se virar para encarar a dona dos cabelos negros encaracolados.

Como se não a tivesse ouvido, o anjo continuou seguindo em uma direção oposta a que estava a demônio, e com isso Lavínia apressou o passo.

— Vai me ignorar o resto da eternidade? É sério?– A incredulidade na voz da mulher era visível, enquanto o barulho dos seus saltos no chão pareciam fazer eco.– Eu não fiz nada de mais, apenas me deixei levar pelo momento! Pelo amor...

Ela foi interrompida quando percebeu o olhar triste que veio de Gael, e imediatamente se calou. Ela esperava tudo, brigas, gritos e frases de decepção vindas do anjo, mas nunca imaginaria que ele teria ficado triste por sua ação.

 O choque havia sido tão grande que Lavínia parou de andar, e apenas deixou o anjo seguir seu caminho.

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