Prólogo astronômico

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O céu noturno brilha, cheio de estrelas que parecem fazer um espetáculo de luzes. As barracas estão montadas. Os galhos das árvores balançam, acompanhando o ritmo dos sussurros do vento. Ao redor da luz da fogueira há um grupo de adolescentes, rindo e conversando uns com os outros. A alegria paira no ar, e externamente não parece haver discrepâncias entre eles. Mas existe uma exceção.

Rigel se encontra pensativo, toda aquela conversa o deixa desconfortável, ele sente que não deveria estar naquele lugar, e por isso se afasta daquelas pessoas. Pega sua lanterna, anda por uma estrada de terra até encontrar uma pedra, e decide sentar ali. Finalmente uma oportunidade de ficar sozinho e refletir.

O garoto não percebeu que estava sendo seguido, até ouvir uma voz, dizendo:

— Rigel? O que está fazendo aqui?

Rigel olhou para trás, e viu que Bianca havia empurrado uma cadeira de rodas até ali. Os cabelos cacheados ruivos da garota se destacavam na luz da lanterna, ela usava uma bermuda de barra desfiada e uma blusa com estampa de flores, seus dedos ainda tinham manchas de tinta que não haviam saído depois de uma pintura recente. Quem estava sentado na cadeira de rodas era Miguel, um garoto de cabelos castanhos, pele pálida, camiseta preta com desenhos de algumas constelações, calça jeans, e um semblante preocupado estampado no rosto.

— Você não percebeu que quero ficar sozinho? Me afastei para pensar melhor, toda aquela conversa estava atrapalhando minha concentração— Rigel respondeu a Miguel.

Miguel não atendeu aos desejos do garoto, entendia como Rigel se sentia, não é fácil passar por isso, e ir embora com certeza pioraria a situação. Ele sinalizou para Bianca:

Quero falar algo com Rigel. Pode nos deixar sozinhos?

Bianca estava cansada de ser excluída de certos assuntos por usar uma língua diferente, a garota perdia muitas informações, vivia confusa, e todas essas situações levam-na a ter uma curiosidade enorme. Ela queria saber sobre o que iriam conversar, queria entender tudo o que acontece ao seu redor, vive fazendo perguntas, mesmo que ultimamente tenha evitado perguntar demais. A ruiva percebeu que não teria respostas, porque era algo particular, um assunto que envolvia apenas os dois garotos, por isso deixou a curiosidade de lado, se despediu acenando e voltou para o acampamento.

Miguel aproximou-se, ficando ao lado de Rigel, e disse:

— Não posso te deixar sozinho, eu entendo isso que está sentindo. Achei que me afastar das pessoas poderia resolver meus problemas, mas Jordana me ensinou que não é bem assim. Estou aqui para fazer por você o mesmo que ela fez por mim.

Rigel olhou ao seu redor para ver se tinha mais alguém por perto, e quando percebeu que estavam apenas ele e Miguel ali, se sentiu à vontade para dizer aquilo que estava escondendo por um bom tempo. Seus olhos cinzentos tinham pequenas gotas de lágrimas, que logo escorreram por sua face. O que ele mesmo de meses atrás pensaria de si agora? Havia acabado de chorar na frente de alguém que antes chamava de inválido, provavelmente não gostaria de quem se tornou.

— Já se sentiu um fracassado? Alguém horrível, que só serve para trazer problemas? Que nem mesmo deveria existir, depois de tudo o que fez? — questionou Rigel.

Miguel respondeu, tristemente:

— Sim, eu me senti assim. Como se tudo de ruim que acontecia fosse minha culpa. Achava que merecia ser rejeitado, afinal era um alienígena, não estava em meu planeta, fazia sentido me odiarem. Era tão rodeado por sentimentos ruins, que passei a odiar a mim mesmo.

Rigel perguntou:

— Como faz pra esses sentimentos irem embora?

Miguel enxugou as lágrimas de Rigel. Quem diria que um dia faria um gesto desses com um inimigo? Já não eram mais inimigos, e ainda assim parecia estranho fazer isso. Depois disse:

— Rigel, olhe para o céu. Está vendo aquele grupo de estrelas? Ali é a constelação de Órion, dá pra ver perfeitamente bem porque estamos no verão no hemisfério sul, período em que fica mais visível. Agora olhe para aquela estrela...

— Achei que íamos conversar sobre o que estou sentindo. Por que mudou de assunto, Miguel? — Rigel interrompeu.

Acontece que não haviam mudado de assunto, e por isso Miguel afirmou:

— Rigel, não mudei de assunto. Aquela estrela é uma das sete mais brilhantes conhecidas pela ciência atual. Quanto mais brilhante a estrela, mais rápido se apaga. E ela combina perfeitamente com você, porque antes você tinha muita luz, só que sua luz se apagou rápido demais por conta dos ensinamentos errados de sua família. Agora adivinhe o nome da estrela.

Aquela conversa estava estranha para Rigel. O que uma estrela tem a ver com esse assunto? Ele pensou, e respondeu, com dúvida:

— Espera aí. Por acaso o nome dela é Rigel?

Miguel sorriu e respondeu:

— Isso mesmo. Só que quando a luz das estrelas se apagam, não é possível voltar a ficarem iluminadas. Mas eu acredito que as pessoas são diferentes, elas se apagam e podem brilhar novamente, talvez ficarem ainda mais brilhantes e iluminadas que antes.

Rigel questionou:

— E você acha que é possível eu voltar a ser como antes? Algum dia esse sentimento de culpa vai passar?

Miguel via muito potencial naquele garoto loiro, emocionalmente frágil, e de tristes olhos cinzentos, mesmo que Rigel estivesse inseguro sobre si mesmo. Ele precisava de ajuda e incentivo, por isso Miguel colocou a mão em seu ombro e disse:

— Todos nós acreditamos em você, estamos aqui para ajudar nisso, somos do mesmo universo e apoiamos uns aos outros. Você está conseguindo superar tudo muito bem, talvez fique ainda mais brilhante depois de um tempo. Isso não retira sua culpa, mas faz você se arrepender e mudar para uma pessoa melhor.

Ele ficou pensativo. Como, depois de tudo, essas pessoas o perdoavam com tanta facilidade?

Rigel não sabia se essa pequena amostra interior que estava aparecendo nesse momento era o suficiente para transformá-lo. No fundo guerreava contra o bem e mal, contra o que sempre acreditou e o que estava descobrindo, diante dos seus olhos, naquele instante.

Suspirou fundo, e tomou uma decisão.

Universos DiferentesWhere stories live. Discover now