Capítulo 3

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No paraíso ainda lemos a bíblia e ela é ainda infinitamente maior do que a que conheci em minha vida terrena. Ainda buscamos auxílio nas palavras de Deus e falamos muito de Jesus, que foi sua imagem e semelhança, então dizemos costumeiramente que Jesus sempre foi e é Deus em carne e osso. Não somos obrigados a acreditar em nada. Dimitrius diz que estamos em constantes aprendizados, e que a cada vida terrena dada é um ciclo que se completa até a nossa evolução espiritual ser reparada e completa.

Voltei a ver Grace nos dias seguinte. Eu estava receoso, inseguro. Não sabia se tudo o que eu vira naquele telão iria interferir em como me sentiria em relação a ela. Eu estava apaixonado. Sim, apaixonado. Mesmo desencarnado tenho sentimentos carnais ainda vivos. Sinto necessidade de protegê-la e não posso interferir em nada na vida. E era isso que eu estava fazendo mesmo que indiretamente. Nem mesmo os guias espirituais poderiam interferir sem a permissão divina de Deus. Cada um exerce na terra o livre arbítrio e é com isso que eu precisava me lembrar.

Percebi que Grace estava inquieta e pensativa. Estava indiferente com seu namorado e por vezes ficava distante e ausente na presença dele. Quando sozinha em casa, se olhava no espelho por um longo tempo. Ela se debatia na cama ao dormir olhando para o relógio no seu criado mudo.

Eu costumava deixa-la sempre ao anoitecer, mas me sentia obrigado a acompanha-la o tempo todo. Até mesmo quando seu namorado estava junto, o que estava se tornando cada vez mais raro. Era uma sexta feira como qualquer outra, mas para Grace parecia que estava sendo um dia diferente. Passara o dia todo calada e evitava contato com os colegas no trabalho. George a buscara no fim do expediente e ele demonstrava preocupação.

— O que está acontecendo com você, Grace? — George questiona.

— Não sei. Eu... Só me sinto diferente e... — Ela faz uma pausa e respira fundo— Coisas estranhas estão acontecendo comigo, eu não saberia explicar.

— Coisas estranhas? — Ele parece confuso.

— Sim. Mas eu não quero falar sobre isso, ou você vai achar que sou louca.

— Eu jamais faria isso. — Ele pega a sua mão e a olha nos olhos, me fazendo virar o olhar para outro lado, tento evitar que meus sentimentos vão além.

— George, eu acho que precisamos dar um tempo. Eu ando confusa e distraída, percebo que você está infeliz comigo. — Grace o olha nos olhos sem piscar. Ela busca resposta no olhar de George que fica paralisado e indeciso.

— Eu não sei o que dizer, Grace. Sei que estamos distantes esses dias. Você anda ocupada e parece estar com muitas coisas na mente, mas não quero em hipótese alguma ficar longe de você. Eu amo você.

— Eu sei. Eu só preciso de um tempo... Eu não quero continuar assim quando estou tão... Confusa. Isso não deixa nenhum de nós dois felizes.

Os dois se abraçam, deixando o silêncio falar por eles. Acho que George compreendia a necessidade de Grace ter o tempo e espaço dela. Percebo que isso também me afetou de alguma maneira que ainda não consigo explicar.

George a deixa em casa e logo desapareceu com seu Focus preto no horizonte. Grace entra em seu apartamento e logo alimenta sua gato, falando alguma coisa como se o bichano realmente entendesse o que ela diz. Ela vai para o quarto tirando casaco pesado e o pendurando no cabideiro de madeira maciça. Vai até o espelho grande e se olha atentamente. Eu estou atrás dela a olhando de volta no espelho que não me enxerga, e isso é estranho, só vejo Grace, sozinha.

— Você está aqui? — Ela sussurra. — Eu quero saber se estou sozinha aqui.

Por mais que quisesse eu não poderia interferir. Eu não posso de maneira nenhuma deixar que ela saiba da presença. Não sei quais seriam as consequências disso. Como saber? Ela continua olhando para o espelho, e uma lágrima escorre pelas suas bochechas rosadas.

A Última Lágrima do ParaísoWhere stories live. Discover now