Prólogo

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O inverno cobre toda Seul de neve para o vinte e quatro de dezembro. Famílias saem para comprar presentes e ver apresentações natalinas pelas ruas. Em uma delas, a Orquestra Sinfônica de Seul, junto com a Fundação Nacional de Canto Lírico, se apresenta, em frente a sede, para os transeuntes que param para admirar o soar das vozes e instrumentos reunidos em um, transmitindo união e paz. Filmam e tiram fotos, afim de postar nas redes sociais. Até Kim Taehyung — um dos instrumentistas —, é cativado pela magia natalina. Nas pausas de sua participação na música, ele abaixa o violino e canta as palavras de amor e solidariedade. Ao final da performance, todos os envolvidos agradecem. A plateia aplaude e se desfaz, cada um voltando ao seu próprio caminho.

Apesar de ser uma linda noite de confraternização, Taehyung se afasta do resto do grupo, como um corpo estranho, e direciona-se a ir embora, mas é chamado por alguns colegas para ir à casa de um deles, fazer uma pequena celebração de natal. Todos o olham com expectativa de que aceite, entretanto, para si, estão somente sendo educados. O Kim recusa o convite e vai para o pequeno canto onde deixou sua sacola com um mimo que havia comprado para se presentear na data comemorativa. É interrompido por um colega, Minho — mais alto que ele, de cabelos castanhos curtos e olhos afáveis —, carrega um pacote em mãos. “Taehyung!” Chama o mais novo. “Oi, hyung.” Minho sorri para o Kim antes de começar a falar. Ele é educado e cativante, fez amizade com boa parte da orquestra. Porém, Taehyung é o mais difícil de se aproximar. “Comprei uma pequena lembrança para você. Parece muito repentino, mas nos conhecemos há um tempo e quis fazer uma pequena surpresa.” O mais baixo assente, concordando, sem saber como reagir ao músico. Apesar dos anos que toca com a orquestra, nunca havia estabelecido uma relação além de colegas de trabalho. Após os ensaios, ia direto para casa. “Obrigado, Minho. Mas não comprei nada para você...” A voz do mais novo vai diminuindo antes de terminar a frase. “Não! Tudo bem, não precisa.” Minho lhe dá o pacote. Taehyung se surpreende pelo peso. Agradece mais uma vez e se despede do colega.

Em meio ao vento frio levantando seus fios loiros, ele pega o ônibus que o levará ao conjunto de prédios em que mora. Dentro dos corredores, avista sua vizinha, a senhora Bom. Uma avó muito gentil que todos adoram; baixinha e com cabelos mais brancos que a neve, olhos pequenos e adivinhadores pelos anos que carrega. “Taehyung, como está o seu natal? Aqui tem biscoitos que assei especialmente para você.” O Kim pega a vasilha sentindo o calor da sobremesa recém tirada do forno. “Obrigado, senhora Bom. Infelizmente, não tenho nada para lhe dar em troca.” Ela aperta as bochechas do jovem e sorri gentilmente para ele. “Não precisa! Aproveite seu natal com os biscoitos.” Ela se despede. Ainda acanhado, Taehyung entra em seu apartamento. Não há decoração de natal e nenhuma árvore; não mudando conforme o tempo passa, pois, seus dias são todos iguais. Apenas rotineiro e solitário.

Colocou no toca-discos uma coletânea com as melhores sinfonias de Vivaldi para tocar e se sentou em sua poltrona perto da janela para abrir seus presentes. Comprou para si um disco de vinil raro, do seu violinista favorito, para adicionar a sua coleção. Abriu o pacote que Minho lhe deu, viu a biografia de seu pintor favorito, Vincent Van Gogh. Espantou-se pelo outro ter acertado em cheio no presente.

Respirou fundo, apreciando a bela sinfonia se misturar com um burburinho que vem de fora do seu apartamento. Taehyung se levantou, indo até a pequena varanda. Descobriu que seu vizinho está a dar uma festa de natal. Se lembrou da última vez que passou esse feriado com sua família. Foram anos atrás, antes de se mudar para Seul. Seu irmão já estava seguindo a carreira diplomática e passava pouco tempo — nenhum, na verdade — em casa. Eram apenas Taehyung, sua mãe e seu pai. Os três juntos fazendo a ceia e trocando presentes. Sua mãe lhe dera um violino novo de luxuosa fabricação. Ao tocar, sentia a música percorrendo dentro de si. Até hoje o usa. Naquela época, se sentia menos sozinho do que agora, na grande metrópole.

Pensa consigo que aquele homem, no apartamento do prédio ao lado, é sortudo por ter todas aquelas pessoas ao seu redor, preenchendo seu apartamento com conversa alta, música e risadas. Da janela do apartamento em frente, o vizinho em pessoa, o notou olhando-o e acenou para o cumprimentar. Assustado por ser pego ao espionar os assuntos do outro, Taehyung fechou as cortinas em timidez, deixando o homem alto confuso pela súbita saída.

Beautiful Remains | vmonWhere stories live. Discover now