É realmente incrível como a ressaca moral pode se equiparar ao mal estar físico quando o trabalho é incomodar o corpo humano. Na verdade já estou bem melhor do meu resfriado, mas ainda me sinto muito mal pelas brigas que tive com pessoas tão importantes pra mim, mas eu nem sei como poderia resolver isso — eu teria que escolher entre Marcos e Isabela se eles me perdoassem? Eu teria que admitir que acho que Fernanda está certa por ser meio que... sei lá, gulosa?
Sinceramente não sei, e se isso não me incomodasse tanto quanto está incomodando, eu conseguiria me entreter com a confusão que está rolando em casa durante a tarde desse sábado.
Na noite passada, antes de ir para a faculdade, Fernanda entrou de fininho no quarto dos meus pais e roubou a caixa com nossas fotos de criança. Agora minha mãe tá virada no Jiraya enquanto meu pai revira as coisas da casa, doido querendo achar nem que seja um pequeno álbum de fotos da infância de seus filhos.
— Vamos cancelar o jantar! — minha mãe fala de repente, fazendo meu pai e Simone se calarem.
Estou na sala, sentado no sofá e assistindo a toda a cena com Yellow deitado em meu colo.
— Ah, não, mamãe! — Simone diz se tremendo toda como se tivesse 5 anos e estivesse no meio do supermercado fazendo birra.
— Esse é o real significado de sem fotos, sem like! — comento e os três me encaram com olhares mortíferos. Eu levanto as mãos, como se me rendesse.
— Ta bom — Simone fala. — Tá no quarto do Karl, debaixo da cama!
— Amada? — digo, soltando um risinho que acaba me dando uma crise de tosse.
Simone sai andando pelo corredor e volta um minuto depois com a caixa verde de tampa azul. Mamãe segura o objeto como se recebesse ouro.
— Eu te deixo escolher quais das fotos eu vou mostrar — ela fala, Simone abre um sorriso, aliviada.
Uma hora depois meu pai diz que já estou bom o suficiente para ajudá-lo a arrumar algumas coisas e minha mordomia acaba de vez.
A nossa mesa da cozinha está na sala, Yellow tá na sacada dormindo em sua caminha e por sorte de Simone hoje é um dos dias calmos de Durkheim. Já está de noite e Luther King Junior pode chegar a qualquer momento.
— E aí, você se resolveu com Fernanda? — minha irmã fala, se sentando ao meu lado no sofá.
Ela está toda emperiquitada com um vestido preto curto e o cabelo preso em uma trança embutida — eu sinceramente sinto que perdi o controle da minha vida quando percebo que sei coisas que não me interesso, como os diferentes nomes das diferentes tranças.
— Seu namorado está prestes a conhecer os doidos dos seus pais e você quer falar sobre minha melhor amiga? — questiono, rindo.
— Garoto, só me distrai, por favor!
Tento segurar o riso e falo:
— Não, e nem sei como vamos nos resolver dessa vez. Você acredita que ela me tirou da peça que eu escrevi?
— Co-escreveu!
— Tanto faz, ainda tem minha mão nisso tudo. Você sabia que fui eu quem pesquisou sobre arromanticidade pra criar a Margarida?
— Mas você nunca se importou com a peça o tanto quanto ela se importa. E, de qualquer forma, qual foi o motivo da briga? O que você disse pra isso tudo acontecer? E nem vem dizer que foi ela quem começou porque você já conhece as loucuras de Fernanda, com toda certeza foi algo que você acabou falando!
Fico calado, infelizmente ela está terrivelmente certa, não é?! Por sorte eu nem preciso responder porque o interfone toca e quando meu pai atende abre um sorriso enorme.
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Todos Querem (Muito) Beijar Karl Marx
Teen FictionApesar de ter o nome de uma pessoa um tanto quanto famosa, Karl sempre se orgulhou por ser um total anônimo para todos os seus colegas. Integrante do Clube de Teatro, ele ama ficar nos bastidores, escrevendo peças e sendo assistente das produções de...