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Taissa

Estava deitada enquanto olhava para o teto. Não conseguia adormecer, tal como o Evan, que se encontrava na sua cama improvisada na mesma posição que eu.

– Desculpa por aquilo mais cedo. – Ele voltou a pedir, e eu suspirei. – Quer dizer, não foi uma visão má. De todo.

– Podemos não falar sobre isso? – Pedi, mordendo o lábio para esconder a vergonha e o nervosismo. – É constrangedor para mim. Não quero pensar mais nisso.

Seguiu-se um silêncio cortante. Olhei para ele, que continuava acordado.

– Gosto do canal paranormal. – Ele cortou o silêncio, e eu ri, continuando a olhar para o teto, tal como ele. – Não, gosto mesmo! – Ele afirmou, e eu pude jurar que ele estava a rir.

– Eu tive aulas de dança no 6º ano. Não tinha jeito nenhum e algumas miúdas costumavam gozar comigo. – Admiti. – E gosto de Dj Ez Rock. E de flores!

Mais silêncio.

– Não gostava das flores que usavas na tua secretária porque as flores me lembram de funerais. – Ele continuou, e eu mordi o lábio. Se eu soubesse, nunca o teria feito. – Passo a noite de natal a ler. Todos os anos leio “O monte dos Vendavais”.  É o meu livro favorito, acho eu.

Refleti sobre as suas palavras e senti-me triste por ele. Senti-me mal por saber que passava as noites de natal sozinho.

– Perguntaste sobre as minhas cicatrizes nas costas. O meu pai era um bêbado podre. Passava o dia a beber nas tabernas, e quando chegava a casa eu e a minha mãe pagávamos o preço disso. A fivela do cinto abria-me cortes nas costas, e as marcas foram ficando. – Fiquei sem reação. Levantei-me e sentei-me com ele, no chão. Ele levantou-se também, ficando sentado de frente para mim. – Numa das noites ele chegou a casa mais violento do que o normal. Tentei proteger a minha mãe, e ele fez-me a cicatriz mais funda que tenho. – Ele ergueu a camisola e virou-se de costas para mim. Uma lágrima escorreu pela minha face ao ver as marcas. Ergui a mão, com medo da sua reação, e passei de leve os dedos nas marcas. – Foi em vão. Ele asfixiou-a, e suicidou-se a seguir. Odeio-o, e fico feliz por ele ter morrido.

– Sinto muito, Evan… – Ele virou-se para mim novamente, e eu vi que ele chorava também.

Ele sorriu tristemente para mim, limpando as lágrimas com as costas da mão.

– A tatuagem eu fiz em homenagem à minha mãe. – Ele ergueu a manga da blusa, e eu vi a palavra “mãe” tatuada no seu braço. – Ela era a minha pessoa favorita no mundo. Depois daquilo eu isolei-me de tudo e de todos. O amor deixou de fazer sentido para mim e estar com outras pessoas era um pesadelo. Era mais simples afastar toda a gente. Ser rude. O exercício físico também me tem ajudado a limpar a cabeça. Eu não costumo dormir bem desde aquela noite.

Abracei-o fortemente, sem querer saber do que me rodeava. Ele apoiou a cabeça no meu ombro e eu senti a minha blusa ficar molhada pelas suas lágrimas. Acariciei os seus cabelos e estivemos assim em silêncio. Com o tempo, ele foi ficando mais calmo e foi relaxando nos meus braços.

Vê-lo assim tão frágil deixou-me de coração partido. Pude finalmente conhecer quem ele era. O porquê de ele ser como era. Senti-me de certa forma culpada por nunca ter ajudado.

– Disseste que gostavas de Dj quê? – Ele perguntou, saindo do meu abraço e endireitando-se à minha frente. Ele fungou e limpou o rosto, ainda um pouco molhado. Estávamos agora sentados de frente um para o outro com as pernas encolhidas.

– Dj Ez Rock. – Eu completei.

– Não estou a ver quem é…

– Aqueles que têm aquela música “It takes two to make a thing go right / It takes two to make it outta sught” – Cantarolei.

Ele riu, ainda com os olhos vermelhos de chorar. Eu ainda sentia ainda um nó na garganta por causa do que ele me tinha contado. Odiava que ele tivesse sofrido.

Estivemos a conversar até de madrugada.

– Não quero que me interpretes mal. – Ele disse, e eu sorri, encorajando-o a continuar a falar. – És uma mulher muito bonita.

O meu coração acelerou e eu achei que ele me ia sair pela boca. Não consegui responder, então simplesmente sorri envergonhadamente e senti as minhas bochechas arderem. Ele achava-me bonita!

– Agora vai dormir, Farmiga. – Ele resmungou, brincalhão. – Tenho sono e também me pareces cansada.

Eu preparei-me para dormir e, quando estava prestes a fechar os olhos, ouvi novamente a sua voz.

– Hey. – Ele chamou. – Eu sei quem é Dj Ez Rock. Só te queria ouvir cantar.

Rimos os dois e eu fechei os olhos, deixando-me levar pela escuridão.

[…]

Acordei sobressaltada com as batidas de alguém na porta do quarto. Ia acordar o Evan, mas ele já estava acordado e levantou-se rapidamente, arrumando os cobertores da sua cama debaixo da minha e deitando-se ao meu lado.

Senti algo duro nas minhas costas e afastei-me rapidamente dele.

– Evan! – Ralhei. – Meu Deus!

– Desculpa! É por ser de manhã. – Ele sussurrou, envergonhado.

Corei violentamente e ele abraçou-me por trás, fingindo que tínhamos dormido os dois assim na mesma cama.

– Sim?

A minha avó entrou no quarto, junto da minha mãe e do meu pai. Corei fortemente por me verem assim com o Evan.

– Bom dia! – Cumprimentei.

– Bom dia, casal feliz! – Saudou a minha mãe. – A avó Mary insistiu para que viéssemos aqui porque ela tem um pedido muito importante para vos fazer.

– Queria muito que se casassem aqui amanhã. – Pediu a minha avó, deixando-me a mim e ao Evan de boca aberta.

– Mary! Não seria capaz de lhe arruinar a festa de anos! 90 anos! É o seu grande dia amanhã. – Disse o Evan, e eu tentei não ficar acelerada com a sua voz matinal perto do meu ouvido.

– Eu já tive 89 festas de anos. Não preciso de outra. Vá lá… queria muito ver a minha única neta casar antes de morrer…

– Tudo bem! – Eu e o Evan falamos ao mesmo tempo. Senti-me na obrigação de aceitar quando ela falou em morrer. Só de pensar que um dia isso aconteceria dava-me vontade de chorar.

– Vamos casar aqui e amanhã. – Completei, e sorri.

A minha família começou a festejar a novidade e saiu do quarto, enquanto eu apenas conseguia pensar no rumo que as coisas estavam a tomar.

Senti o abraço do Evan apertar-se ao meu redor, e eu incrivelmente deixei-me levar e aconcheguei-me no seu abraço. Estava a precisar daquele conforto.

– Vai correr tudo bem. – Ele sossegou-me, massajando levemente os meus ombros para me tentar tranquilizar.

A história do Evan mudou muito as coisas. Ao vê-lo assim tão frágil eu tive a certeza de que talvez o amasse mesmo.

A Proposta - Evan PetersOnde histórias criam vida. Descubra agora