Capítulo 03 - The Fish

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Um dia, em um dos seus esplêndidos poemas, Florbela Espanca escreveu:

"Ter um sonho, um sonho lindo,
Noite branda de luar,
Que se sonhasse a sorrir…
Que se sonhasse a chorar…"

Sonhos! Às vezes, os sonhos parecem grandes cargas que carregamos em nossos ombros. Às vezes, nos fazem sorrir, muitas vezes nos fazem chorar. São cargas que por tantas vezes podem nos cegar, pois sonhos são sempre utópicos. Nenhum sonho se concretiza exatamente da forma que nos arriscamos a sonhar. Porém, às vezes, quando a diferença entre a nossa utópica imaginação e a realidade é muito brusca, é como se levássemos um grande golpe. A dor, a culpa e a perca da fresca ingenuidade que nos faz acreditar em um mundo melhor nos nossos primeiros anos de vida... é impossível de esquecer, de cicatrizar. Como a própria Florbela diz:

"Despedaçar esses laços!…
…É pior que ter um filho
Que nos morresse nos braços!"

Era assim que se sentia O Peixe. Um lindo peixe dourado, com escamas tão brilhantes que ele poderia iluminar as profundezas daquele mar que ele por muito tempo chamou de lar. As águas que rodeavam a Ilha de Eroda. As águas que ele dividia com tantos outros seres do mar, mas nenhum como ele, nenhum o acolhia como parte da família.

Todos naquelas águas tinham seguido um caminho. Eles tinham vindo das águas que rodeavam a Ilha dos Sonhos e agora estavam ali, apenas seguindo a correnteza e assim como a população da superfície, tendo que trocar detalhes preciosos que definem as suas personalidades pela realização dos seus sonhos.

Com O Peixe não foi diferente, ao contrário, ele estava tão ferido, teve que abrir mão do seu brilho e da sua liberdade. Sim. Ele era tão pequeno, mas já havia percorrido águas da Ilha dos Sonhos e da Ilha da Liberdade. Ele achou que Eroda seria a junção dessas duas ilhas, podendo realizar os sonhos e ao mesmo tempo, ser livre, mas nunca imaginou que teria que abrir mão de um dos tópicos para ao menos conseguir continuar ali.

E ele tinha que continuar ali. Apesar de abrir mão do seu brilho na maior parte do tempo, alguns outros peixes ainda precisavam dele para passar por partes tão obscuras do mar quanto uma noite de tempestade, o que era comum em Eroda. O Peixe não poderia abandoná-los, por mais que poucas vezes ele sentisse que pertencia àquele lugar. Ele não pertencia, ninguém o queria ali, todos tinham medo do seu brilho, por mais contido que estivesse. Todos tinham medo do quão grande ele poderia se tornar se conseguisse superar a dor e as cicatrizes do quão injusto o mundo tinha sido com ele ao iludí-lo com um perfeito lar que nunca chegou a existir na verdade.

O Peixe gostava de dançar, ele girava e girava na água, balançando suas pequenas e adoráveis nadadeiras ao captar uma melodia que de vez em quando ele escutava ao se aproximar mais do mar que ficava perto de umas montanhas. No entanto, ele dançava sozinho e seus grandes olhos azulados fechavam, sonhando com o dia que ele encontraria o perfeito lar em que pertencer a algo não significasse apenas está submersso em algum hábitat, mas sim está inundado por sentimentos que não fossem só dele, que fossem compartilhados, compreendidos, que fossem uma dança conjunta, uma luta em equipe para não deixar que sonhar se tornasse um trauma e realizar esses sonhos, se tornasse uma barganha.

 No entanto, ele dançava sozinho e seus grandes olhos azulados fechavam, sonhando com o dia que ele encontraria o perfeito lar em que pertencer a algo não significasse apenas está submersso em algum hábitat, mas sim está inundado por sentimentos q...

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Então, depois de um tempo, se afastando daquele lugar, ele continuava balançando suas fofas nadadeiras, girando por aí, nadando em um ritmo só dele, se permitindo só por aquele momento, ser ele mesmo, brilhar sem se conter. Porém, o que ele não percebeu é que aquilo fazia todos ao seu redor se afastarem mais ainda, eles tinham medo, aquela espontaneidade não estava nas regras da ilha. Todos tinham que nadar em uma única direção, mas naquele momento, O Peixe estava preenchendo todas as direções daquele oceano com todo seu brilho, todo o seu ser precioso, o verdadeiro. Pois tinha algo naquela música que ele escutou que o fez querer continuar sonhando.

Com isso, com o passar do tempo, ele abriu os olhinhos e todos os olhares que se direcionava para ele, o atingiram como facas, reabrindo cada uma de suas cicatrizes. Foi a primeira vez, que mesmo debaixo d'água, ele se sentiu sem ar. Ele estava no meio de um círculo de tantos outros peixes, mas nenhum ousava em se aproximar. Nem aqueles que ele ajudava às vezes. Aos poucos todos ao seu redor começaram a nadar rápido, girando aquele círculo, formando um vórtice que prendeu O Peixe por mais que ele tentasse desesperadamente achar uma brecha para escapar.

 Aos poucos todos ao seu redor começaram a nadar rápido, girando aquele círculo, formando um vórtice que prendeu O Peixe por mais que ele tentasse desesperadamente achar uma brecha para escapar

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Havia tanto ódio nos olhares. O Peixe estava encurralado por ódio, medo, abandono. Ele nunca esteve tão sozinho. O vórtice o levava para algum lugar. Provavelmente para o lugar onde sempre quiseram levar ele, para fora dali, para longe do que deveria ser seu lar, seu final feliz. O Peixe apenas desistiu de lutar. Afinal, será que ele ainda teria um lar em algum outro lugar ou realmente estava na hora de partir, literalmente? Ele estava tão machucado pelo ódio que por aquele momento o seu amor pela vida parecia só mais uma das coisas que ele teve que abrir mão quando começou a habitar aquele lugar. 

Era Uma Vez Em Eroda Onde histórias criam vida. Descubra agora