Noé

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A ambulância não demorou. Mas enquanto não chegava eu fiquei o tempo todo ali no meio-fio, ao lado de toda aquela tragédia, segurando a mão dela. Eu nunca tive sangue frio para esse tipo de situação, tanto é que não posso ver um mínimo corte em mim e eu já começo a passa mal. Mas parado ali, naquele dia atípico, eu não liguei para os pedaços de vidros que estavam presos no rosto dela, ou na poça de sangue que se formava no capô do carro oriunda do corte no abdômen dela e nem para o sangue que insistia em sair da boca dela, toda vez que ela tentava dizer alguma coisa. 

"Por favor, não fala nada!" - Eu estava tentando a todo momento acalma-la. 

Eu segurava a sua mão na mesma intensidade que segurava as minhas lágrimas. Tinha que ser forte, por ela. 

No momento exato em que a ambulância chegou, ela perdeu a consciência e os paramédicos correram para leva-la até o hospital. E eu fui junto, o tempo todo segurando sua mão, não poderia deixa-la, jamais. 

Chegando no hospital, ela foi direto para a sala de cirurgia e eu fiquei ali, no meio da emergência, no meio de todo aquele caos e pude perceber o quanto a nossa vida é frágil e como em um minuto, tudo pode mudar. 

Após alguns minutos, uma enfermeira me levou até a sala de espera, onde eu fiquei pensando em como os meus problemas de 24 horas atrás, agora pareciam imensamente insignificantes. Todas as minhas preocupações, todas as minhas inseguranças, sumiram num piscar de olhos.  

Ainda estava perdido em meus pensamentos, quando um homem entrou correndo em desespero na sala de espera, era o Noé. 

"Como ela está? Alguma novidade? O que aconteceu?" - Ele estava tremendo muito.

"Ainda não sei de nada, os médicos disseram que iriam dar notícias assim que possível e..."

Ele começou a chorar.

"Como isso aconteceu?" - Ele não parava de tremer - "Me diz, Bruno! Como isso aconteceu?"

Vê-lo desse jeito me doía a alma, mesmo nunca tendo nada além de uma amizade com o Noé, eu nutria um grande carinho por ele. 

"Um carro perdeu o controle e..." - Eu começo e na mesma hora me vem na cabeça a cena dela presa entre o carro e o poste - "E a atingiu em cheio... Mas ela estava consciente até a hora que a ambulância chegou."

Ele não parava de chorar. 

"Eu não posso perder ela cara... Ela me faz muito feliz, sabia?" - Ele me olha, com aquela carinha dele triste e os olhos vermelhos. - "Só estamos juntos a 2 meses e têm sido os melhores 2 meses da minha vida..."

2 meses? Uau! Como que eu nunca desconfiei de nada?

"Eu não imaginava, eu pensei que..." - Mas ele me interrompeu. 

"Ela não queria te contar" - Ele me olha, enxugando as lágrimas - "Ela sabia daquela sua paixão boba por mim e ficou com medo de você ficar com raiva dela."

Essas palavras me atingem forte como um soco no estômago. Não, não era uma paixão boba, eu realmente estava apaixonado e sobre não me contar. Porra, eu não sou nenhuma criança, eu não iria parar de falar com ela... Mas foi então que me veio na memória a noite de ontem (noite esta que parece ter sido a um século atrás), da minha reação ao saber que eles tinham ficado.

Como eu fui egoísta, meu Deus. Eu ainda fui grosseiro com ela ontem à noite, porque logo depois eu a ignorei completamente e se eu não tivesse sido tão idiota com ela ontem, ela não teria ido até a minha casa hoje para ver como eu estava e se ela não tivesse ido... MEU DEUS!

"Eu... Eu sinto muito" - Olho para ele, não consigo mais segurar meu choro - "Eu não devia ter sido tão egoísta a ponto de fazer ela ter medo de me contar. Se eu não tivesse sido tão idiota com ela ontem, talvez ela não..."

Não consigo me segurar, as lágrimas descem com facilidade e sinto uma dor tão grande dentro de mim devido a culpa, não consigo deixar de pensar que eu tenho uma parcela de responsabilidade nesse acidente, pois se ela não tivesse ido até a minha casa hoje de manhã ela estaria bem agora.

Noé se aproxima de mim e me abraça forte.

"Ei, não fala isso. Esse acidente não é culpa sua" - Diz ele.

"Mas se ela não tivesse ido até a minha casa, nada disso..."- Tento falar, mas mais uma vez ele me interrompe. 

"Ela foi até a sua casa porque ela gosta de você e se preocupa com você, então não se sinta culpado por isso, não se sinta culpado por ter alguém que goste de você."

O Noé sabe como me acalmar, ele me passa essa sensação de segurança que nenhuma outra pessoa é capaz de me proporcionar e se eu não tivesse tão apaixonado pela Luísa, eu juro que meus sentimentos por ele teriam vindo à tona novamente.

Então ficamos ali em pé parados, os dois se abraçando no meio da sala de espera.

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Horas se passam sem que nenhum médico apareça para nos dar algum parecer sobre a situação da Marina, e enquanto isso nossa ansiedade e nervosismo só aumenta. Me levanto da cadeira e compro uma das barras de chocolate na máquina que estava no canto da sala. Bom, eu não estava com fome e acho que ele também não, mas eu me lembro da minha professora de matemática do ensino médio que deu um bombom para a turma antes da prova, dizendo que ajudava a aliviar o estresse, não custa nada tentar, não é?

"Posso te fazer uma pergunta, Bruno?" 

"Claro, querido. Diga."

"Por que eu?" - Mesmo estando naquela situação, aquele olhar penetrante dele conseguia me tirar do eixo - "Por que você se apaixonou logo por mim? Quer dizer, eu não sou o cara mais lindo da faculdade, então por que eu?"

"Porque... Cara, você é sensacional, você é inteligente, atencioso, engraçado, divertido e eu me apaixonei por você simplesmente por você ser você."

Percebo que ele fica um pouco vermelho.

"E quando exatamente isso aconteceu?" - Ele pergunta.

"Bom, não vou negar que eu já me sentia atraído por você desde a primeira vez em que eu te vi."  

"Sério isso?" - Meu Deus, ele está ainda mais vermelho.

"Sério, quando eu te vi na praça interna da faculdade, de calça jeans, camisa preta e o boné para trás, eu não consegui mais desviar meu olhar de você... E quando você apresentou aquele trabalho sobre os princípios da economia... Eu não sei dizer, mas o jeito que você apresentou, cheio de confiança, cheio de si. Ali foi o momento exato em que eu me apaixonei de verdade por você."

"Nossa... Eu não sabia que era algo desse nível, eu pensava que era alguma pequena, meio boba até."

"Não, não era."

"Mas tipo, em algum momento eu cheguei a te fazer acreditar que você poderia ter alguma chance?" - Ele pergunta, meio preocupado.

"Não, de jeito nenhum. Era uma paixão totalmente platônica, por isso que eu decidi me afastar de você naquela época. Porque eu sabia que não iria levar a lugar nenhum."

"Até porque né mano, tipo... Você sabe que eu gosto de mulher né?"

"Eu sei né, e eu acho isso uma pena" - Digo rindo e conseguindo arrancar um sorriso do rosto dele. 

Mas na mesma hora somos interrompidos. Era um dos médicos que tinham levado a Marina para a cirurgia e pela cara dele, ele não trazia boas notícias.

Nada boas.  


Unexpected GirlWhere stories live. Discover now