Um mundo só meu e dela

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· Perspectiva de Rafaella

Faz três anos que cheguei nesta casa, minha mãe teve a brilhante ideia de se casar novamente. No começo achei que seria a pior escolha que ela poderia tomar, mas depois de conhecê-la. Nossa! Tudo mudou.

A Gizelly é maravilhosa, e estamos nos dando super bem. Apesar de perceber que ela fica bem mais animada quando Tato pode nos fazer companhia, que são momentos raros, já que minha mãe e a treinadora dele fazem marcação serrada.

Eu já me acostumei a ter só um pouco do meu irmão. Por mais que sejamos ligados, os treinos acabam nos possibilitando pouco tempo juntos. Minha mãe o trata como o seu tesou, mas não é pra menos. Até antes do casamento, era ele quem sustentava praticamente nossa família com os campeonatos e patrocínios. Ele sempre me incentiva quando tenho que ir para as sessões de fisioterapia por conta da minha perna, assim como a Gi. A minha mãe me considera como um estorvo em sua vida. mas não a culpo, não posso ser como o meu irmão, um grande pequeno atleta.

Nos poucos momentos que estamos juntos, sempre imaginamos como será nossas vidas quando ficarmos adultos.

Ele sempre diz que eu estarei recuperada, e poderei fazer o que eu quiser. Correr. Jogar tênis. Até mesmo bola. Que o mundo ficará pequeno para mim.

Eu acho uma tremenda bobeira, mas cansei de pedir para ele parar de falar essas coisas.

Ele é a pessoa mais importante em minha vida. Nossa relação vai além do sangue, e sei que nossa ligação nunca será rompida. Nossa avó sempre nos fala isso quando vamos visitá-la, o que não acontece com muita frequência, graças a minha mãe. Ela sempre tenta nos manter longe, eu não entendo, afinal é a mãe dela. ELa deveria querer ficar perto da mãe, ainda mais sendo uma mãe como a vovó. Ela é maravilhosa.

- Vamos, Rafaella! Não é tão alto assim. – Grita Gizelly de cima da árvore.

Ela sabe que eu odeio que me chamem dessa forma, mas quando ela faz, não sei porque não fico com raiva como fico das outras pessoas que o faz.

- Eu já te falei que não vou subir. – Grito de volta para ela.

Gizelly sempre me levava para essas "aventuras", e me pergunto porque sempre aceito fazer o que ela me pede. Não quero subir na árvore, pois tenho muito medo de cair e minha perna ficar ainda pior do que já é.

- Vem, eu te ajudo. Prometo que não vou deixar você cair. – Ela insiste fazendo um biquinho para tentar me convencer a mudar de ideia.

- Eu já disse que não.

- Você está sendo uma boba, larga de coisa. Vamos, sobe. – Ela insiste.

Reviro os olhos, sei que mesmo estando tão alto, ela poderia ver meu gesto de lá.

- Você que está sendo uma boba em insistir. – Digo.

Gizelly então ficar em silêncio, como se estivesse observando algo no horizonte. Enquanto ela estava perdida em seus pensamentos, eu me perdi a observando. Quando mais tempo passava ao lado dela, mais me encantava pelo seu jeito.

Ela era um espírito livre, e por mais que todos os adultos a julgassem como inconsequente, eu conseguia ver o quão eles estavam errados. Ela sabia apreciar as pequenas coisas, mesmo que para isso precisasse se colocar em perigo como agora.

Acabei escalando aquela árvore estúpida, não sei se para apreciar a paisagem, seja lá o que ela estava apreciando, ou simplesmente para ficar ainda mais próximo a ela.

A cada centímetro que eu me aproximava de onde ela estava, mais o meu coração batia em descompasso. Não sei se por medo ou adrenalina de estar me arriscando ao subir nessa árvore, ou simplesmente por estar ao lado dela, eu sempre me sentia estranha em momentos como esse.

Quando faltava pouco para alcançar a mesma altura em que ela estava, Gizelly se virou e me ofereceu a mão. Me dando apoio para vencer o ultimo obstáculo. Me ajeitei ao seu lado, me apoiando em um dos galhos para não cair.

Assim como minha mãe pegava no pé do meu irmão, o mesmo acontecia com ela. O seu pai não dava folga, sempre a cobrava as melhores notas, que tivesse disciplina, que fosse a melhor em tudo. Sempre falava que ela era o futuro da empresa que ele construiu com tanto suor.

Eu entendia muito bem como ela se sentia, minha mãe não me cobrava nada, mas também esquecia da minha existência. Só tinha olhos para o Tato, assim como o pai da Gi, ele só tinha olhos para a empresa.

- O que você está olhando. – Perguntei depois de me assegurar que não iria cair daquela árvore estúpida.

- Para o mundo. – Disse com um sorriso de ponta a ponta.

Eu não tinha entendido o que ela queria dizer, mas fingir que sim.

- Não sei porque ainda acabo fazendo o que você quer. – disse para ela, que ainda sorria.

- Porque no fundo é o que você também quer. – Olhando novamente para o horizonte continuou. – Olha isso e me diz que não vale a pena o risco?

Eu segui o seu olhar.

A paisagem a nossa frente era tão linda e repleta de cores, o dia estava chegando ao fim enquanto o céu ganhava vários tons laranjas, do mais suave ao mais intenso. Alguns pássaros pareciam voar em direção ao sol, indo em busca do seu calor e desejando que o dia não chegasse ao fim. As muitas árvores dançavam com o vento, com movimentos graciosos. Voltei meu olhar para Gizelly, que estava de olhos fechados sentindo a brisa brincar com os seus cabelos. Ela parecia pertencer aquele lugar, se conectando com a natureza ao seu redor. Sentir como se tudo além daquilo que estava presenciando deixasse de existir. Sentir que tinha criado um mundo só meu e dela naquela em cima daquela árvore. Foi quando percebi que não a via como uma irmã, meu sentimento por ela não era o mesmo que o do Tato, eu não sabia explicar, mas sabia que ela era importante para mim.

- Já falei que você é uma boba? – Pergunto sorrindo.

- A todo tempo, mas sou a boba que você ama. – Zombou ela.

Não pude evitar de ficar vermelha, e agradeci por ela ainda está de olhos fechados.

- E quem disse que eu amo você? – provoquei.

- Ninguém precisa dizer, eu simplesmente sei. – Desta vez ela me encarou.

Não conseguir sustentar o olhar por muito tempo, e acabei sendo a primeira a desviar. Queria descer um mais rápido possível dali, me manter o mais distante possível. Minha descida apressada quase me fez dar de cara com o chão.

Quando já estava próximo ao chão, acabei escorregando e ficando pendurada, por um milagre, em um galho.

- Você está louca? – Berrou Gizelly descendo, vindo atras de mim. – O que deu em você para descer dessa maneira? Está querendo se matar, garota?

Minha vergonha só aumentou. Eu queria cair no choro naquele mesmo instante, me sentir uma verdadeira idiota pelo que eu tinha acabado de fazer. Ela me ajudou a descer, me dando apoio e constatando que eu descia com todo o cuidado possível.

- Eu... Eu... Desculpa. – Não conseguir dizer nada além de balbuciar estas palavras as quais estava acostumada a dizer sempre para a minha mãe, não importava se eu tinha feito algo errado ou não.

Para a minha surpresa ela simplesmente me puxou para os seus braços, me dando um braço apertado. Tão apertado que tive dificuldade para respirar.

- Você quase me matou do coração. Eu não iria conseguir me perdoar se você se machucasse ao descer da árvore. Eu não quero que nada de ruim aconteça contigo, eu que preciso te pedir desculpas.

E assim ficamos abraçadas e chorando por um longo tempo, até nos acalmar e voltarmos para o interior da nossa casa. 

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