Cães

859 85 7
                                    

Ainda estava dormindo quando Nuala entrou.
– O que faz aí?
– Dormi vendo a lua.
Nunca falaria a ela, mesmo que já suspeitasse que ela sabia. Era espiã dele.
– Não sairei do quarto hoje, talvez no próximo ano.
Puxei a coberta sobre a cabeça, quando havia silencio novamente e ela havia desaparecido coloquei a cabeça para fora, uma vitória enfim. Voltei a dormir, o quarto chacoalhou com a entrada de Cassian, e com as mãos na cintura ele cerrou os olhos, apenas o olhei de canto.
– Só saio daqui se alguém estiver morrendo e depende muito de quem for.
– Tira a bunda daí, temos trabalho!
– Cassian não tem outra pessoa para isso? Estou meio enjoada essa manhã.
– Manhã? Já passa da hora do almoço sua bêbada!
Me sentei puxando a coberta sobre o peito, esfreguei os olhos preguiçosamente.
– Pode me arrastar para treinar depois se me esquecer aqui hoje.
– Não!
Ele arrancou a coberta me puxou pela mão e me empurrou para o banheiro.
– Te espero no saguão, dez minutos!
A porta se fechou a minhas costas, lavei o rosto, escovei os dentes, tomei banho, trancei meu cabelo. Peguei um dos conjuntos encomendados por Nuala, uma camisa curta com decote generoso, pele e mais pele exposta, inclusive minhas cicatrizes e o acordo, revirei os olhos. Terminei de me vestir e fui encontrar Cassian, ele parecia menos rabugento.
"Estou fazendo isso obrigada."
– Que humor maravilhoso, hoje vamos acompanhar a Corte dos Pesadelos, ficaremos perto para garantir que o povo fique a salvo.
"Onde os babacas estão?"
– É quase tão divertida assim como quando usa a voz. Já estão na cidade graças a demora da princesa!
"Puta merda, Cassian! Porque não me acordou antes, vamos logo."
Bati em seu braço, como ele pode deixar que aqueles vermes rastejassem pela cidade? Ele deu de ombros, agitou as asas.
– Vou saltar!
– Vamos voar, será mais rápido e causa mais efeito.
– Se me deixar cair, volto só para assombrá-lo.
Ele sorriu, passou um braço em minhas costas e outro abaixo dos joelhos.
– Já carreguei 100 vezes mais que seu peso. E nem senti.
– Acho bom sentir esse, Cassian. Pela Mãe, eu juro...
Meu grito se calou quando ele alçou voou, agarrei seu pescoço, quase enforcando-o, esperei por algum tipo de turbulência, mas tudo o que havia era a calmaria, ele planava suavemente, uma vista diferente, sorri ao reconhecer os prédios e as cores.
– Não é bom?
– Bom não é exatamente a palavra que usaria, é maravilhoso, e você sente isso toda vez, essa liberdade?
Abri os braços experimentando, Cass me apertou contra si, estava segura. A brisa fresca espalhando o cheiro da maresia e limão, podia ficar ali para sempre.
– Para um primeiro voo está indo bem.
Ele não escondeu o sorriso de satisfação, também não escondi minha alegria, ele contornou alguns prédios, então avistamos o grupo. Respirei fundo, Cass me arrumou em seu colo e aterrissamos no centro da praça principal, graça e poder era o que chamaria quando ele me colocou no chão.
"Obrigada, foi uma das coisas mais incríveis que vivi."
Ele assentiu, ali tínhamos um papel a desempenhar. Fomos até o grupo, mantendo a distância de alguns passos.
"Só consigo pensar em um ninho de serpentes, e os filhotes estão querendo se espalhar."
Cass me deu uma cotovelada no ombro, fiz cara ruim para ele que escondeu um sorriso.
– Onde está o grão-senhor, por que mandou seus cães para nos espiar?
Um dos Lordes de Keir cochichou, limpei uma sujeira embaixo das unhas impecáveis, apenas para fingir que não escutei.
– Tem coisas mais importantes a fazer.
Sabíamos que Rhys, Feyre, Amren, Mor e Azriel estavam naquele momento na Cidade Escavada, e precisávamos bancar os bons anfitriões, ou nem tanto.
– Poderia ao menos ter nos colocado na companhia do outro animal?
Keir reclamou.
"Ele tá falando do Az ou da Amren?"
Cass deu de ombros.
– Somos só nós, Lorde Cassian e eu aproveite a visita.
– Então os cães dividem a cadela?
Keir provocou, Cass rosnou toquei seu braço.
– Quem levo para minha cama certamente não será assunto aqui, e vossa Alteza disfarce seu interesse, nem que fosse o último ser vivo me uniria a você.
Dei-lhe meu sorriso mais falso e puxei Cass para longe, comprei chá para nós e nos sentamos na praça, Cass em um banco e eu na mesa, assim conseguimos a melhor visão do grupo.
– Keir deve estar pensando em um novo jeito de provocá-la.
"Ele pode tentar, mas entre ele e um naga, prefiro o naga."
Tremi com a repulsa, Cass gargalhou, olhei para ele e o som dele, eu gostava daquele som, mesmo sendo irritante, sempre me sentia bem em estar com ele, as coisas ficavam mais leve com ele.
– No que está pensando?
Ele bateu um dedo em meu joelho.
"Que poderia ter sido você meu parceiro, não uma montanha de indiferença."
– Teria sido uma honra ser seu parceiro, o destino é cruel, às vezes.
Ele parecia ter as próprias dores, troquei nossos chás por algo mais forte.

"Aos corações partidos que ainda batem."                                                                  Brindei e viramos de uma vez, ficamos em silencio por muito tempo, avaliando o grupo, contemplando o clima, quando o grupo finalmente se dirigiu ao prédio que Rhys cedera para suas acomodações, observamos um a um entrar, e o encantamento que Amren criara para que não saíssem sem permissão se refez.
A cidade voltou a vida, os comerciantes apresentaram a verdadeira cara da cidade, sorri.
"Eles ainda ficarão muito?"
– Amanhã à tarde devem partir.
Dei pulinhos de alegria, voltamos para casa, parei nas escadas e virei para Cassian.
"Se me livrar da vigia amanhã, posso concluir as fórmulas e partir para o acampamento."
– Vai descobrir que essa animação em ajudar meu povo, se tornará frustração.
"Quando me frustrar socarei você, e me sentirei melhor."
Ele gargalhou colocando a mão no peito, não resisti e sorri. Decidi que aquele som era meu escape.
– Depois descobriremos se é mesmo capaz, mas antes temos que apresentar um relatório a Rhys e Az.
"Faça isso sozinho, não quero ver ele."
Juntei as mãos suplicando. Ele revirou os olhos.
– Tentarei, mas Azriel costuma buscar todas as versões da mesma história.
Cruzei os braços contra o peito, relembrei a tarde, as ofensas, os olhares enjoados, preparei uma esfera e coloquei na mão dele.
– Dê a ele a outra versão. Não veja, é para ele e tem um recadinho.
Segui para meu outro trabalho, preparando efusões, mesclando fórmulas para conseguir potencializá-las, minhas costas e pernas doíam, estava cansada, mas feliz com o resultado.

Fechei a porta na segurança do encantamento de Mor e me arrastei para o quarto, estava tão cansada que nem mesmo um banho consegui tomar, quando Nuala levou o jantar já estava jogada na cama. 

A Corte de Sombra e LuzWhere stories live. Discover now