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E então eu o odiei.

Agora que esta bem, te deixo só.

Bem? Eu não estava bem, ele não sabia de nada, ele não poderia saber. Ele se afastou de mim, me deixou só, mas eu ainda o via.

A primeira vez que voltei à biblioteca eu o vi passar pelo lado de fora, sai correndo e gritei, mas ele continuou andando, andando e andando. Corri até ele, e o puxei pelo braço, mas como neblina seu corpo de desfez.

Eu o via como uma miragem.

Ele tentou me deixar, mas eu não quis. Eu continuei indo até a biblioteca todos os dias para vê-lo, para ver o que minha mente criava dele. A cada dia ele parecia mais real, cheguei até a sentir seu aroma de smeraldo.

Tudo ia bem até que a biblioteca fechou às portas.

– Vocês não podem fazer isso comigo!

Eu gritava e chutava a porta da biblioteca. Era inútil, eles já tinham ido, os livros ainda estavam lá dentro e eu podia vê-lo, ele estava lá, trancado, me olhando por detrás da janela.

Meu reflexo no vidro revelava minhas lágrimas, meu desespero, eu não podia deixá-lo lá dentro, ele tinha que sair, eu tinha que levá-lo pra casa, era comigo que ele deveria estar.

Foram esvaziando a biblioteca, e pouco a pouco, não só os livros iam desaparecendo, mas ele também. A cada dia, a cada hora, eu o via menos. Doía, doía muito, quando o último livro fosse retirado, a lua seria tirada de mim também.

Onde ele foi? Quando vai voltar?

O prédio da biblioteca fora demolido e nunca, nunca mais eu o vi ali.

Então eu o odiei, odiei por ter me deixado, por ter decidido sozinho que eu estava bem, por não ter se despedido, uma carta? não, ele não poderia ter feito isso comigo. Eu nem tinha conseguido devolver o livro.

Meu caminho havia desaparecido, o brilho que me guiava havia apagado, não existia mais lua, não existia mais terra. Os dias passaram a ser mais sombrios e eu desenvolvi um pavor imensurável, eu não conseguia mais sair de casa.

Tinha medo de vê-lo.

Sempre que precisava sair eu me retraia, minha boca secava, meu corpo inteiro tremia, eu vomitava, eu emagreci, era inevitável. Eu estava doente. 

Em casa as coisas não andavam bem também.

– Lendo esses livros de novo? Como vai ter uma vida assim?

– Como isso vai te ajudar a ter dinheiro? Esta perdendo seu tempo.

– Te falta Deus.

– Ele foi esperto em te abandonar, olha só pra você, magra desse jeito, ninguém suportaria uma doente.

– Você é um fardo para os outros.

As coisas pareciam piorar cada vez mais. Onde eu iria parar? Eu preciso recuperar esse tempo perdido. Não era como se eu não tentasse viver, eu tentava, tentava muito, com todas as forças que eu tinha. Era cansativo.

Por que isso tudo esta acontecendo comigo? 

Depois de um ano, eu tentei colocar minha vida de volta nos trilhos, pra onde eu iria? Não sei. Eu era a motorista daquele trem, mas havia o colocado em piloto automático. 

Comecei a faculdade de direito, conheci outras pessoas, mas algo ainda me embrulhava o estômago. Eu ainda estava perdida. Eu ainda estava desesperada.

Depois de dois anos, eu não vomitava mais, eu não o temia, amor? ódio? nada mais morava em mim, indiferença é a palavra certa. Eu cheguei a vê-lo, duas ou três vezes, mas era aquela lua feita de neblina, ela se desfazia antes que eu pudesse senti-lo.

A quintessência de SeokjinWhere stories live. Discover now