VIII

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Andrea precisa de uma nova medicação na semana seguinte e tudo se torna subitamente exigente e ofuscante contra suas mãos. Ela descobre, muito rapidamente, que é tudo ainda mais humilhante enquanto as gêmeas estão em casa a cercando com perguntas e correndo para todos os lados com travesseiros e fronhas de seda pura apenas porque os demais tecidos fazem sua pele coçar. Caroline se mostrou ainda mais desesperada a cada sessão de radioterapias, parecia ainda pior chegar em casa para uma cabeça ruiva genuinamente amuada com seus olhos profundamente vermelhos a acompanhando até seu quarto como se Andrea já estivesse morta. A dupla Priestly dispensou Cara gentilmente e passaram a caminhar pela casa com elegantes bandejas de madeira pura, equilibrando pratos de sopas e jarras de suco gelado e certa vez até mesmo um pequeno pote com doce gelado para que a ex-assistente pudesse comer ao menos uma colherada. 

A morena fingia o mais fortemente que podia, ela estava ficando cada vez melhor que fingir, a menina percebeu. Fingindo que não queria vomitar seu próprio estômago, fingindo que não estava sentindo frio o tempo inteiro e que seus ossos pareciam ser feitos de vidro depois de cada sessão. A radioterapia parecia cada vez mais com: deixar uma máquina fritar cada um dos seus neurônios e o câncer junto com eles. Seu médico ainda parecia um pequeno cachorro gentil quando prescreveu uma nova receita com comprimidos que a faziam permanecer drogada por horas, que deixavam seu peito pequeno e esmagado e seu corpo inteiro um pouco dormente, a tornando dolorosamente sonolenta por quase quatorze horas nos primeiros sete dias. Andrea se recorda de alguns flashes em sua cabeça, ela se lembra de não conseguir subir as escadas e de Miranda tocando seu pulso no meio da noite e dormindo no travesseiro ao lado do seu, ela se lembra do som reconfortante das páginas do livro sendo viradas e dos ocasionais bufos de Miranda e do como tudo aquilo parecia uma âncora para a amarrar na realidade. Ela se lembra de querer abrir os olhos, olhar para a mulher ao seu lado e somente fitar o nariz impiedoso e a cor glacial das suas íris, ela se lembra de querer chorar quando não conseguiu. 

Andrea também se lembrava das meninas lendo pequenos artigos sobre as universidades que estariam visitando na próxima semana, ela se lembra de Cassidy dizendo que não gostava da grade do seu curso e de como os franceses tratam disciplinas como arquitetura e urbanismo, ela se lembra das suas risadas ao encararem as pequenas fotos dos professores responsáveis e suas semelhanças com os amigos de sua mãe. A morena se lembra de querer abrir os olhos e rir com elas, discutir sobre as fotos e perguntar sobre quais outras possibilidades elas estavam investigando, mas só havia o vazio da sua medicação e o frio da sua cama. 

Ela se lembra de sonhar com Miranda todas as noites e se perguntar se aquilo era qualquer coisa perto do amor. 

"Essa é sua quarta xícara de café somente hoje, diminua seu ritmo." Cara disse em uma das tardes, mas a menina a ignorou enquanto virava o conteúdo amargo duplo expresso bem dentro da sua língua e esperava enquanto a bebida queimava seu lábio inferior. "Andrea." A mulher alertou, novamente, mas Andrea estava cansada de continuar deitada como um cadáver em sua cama. 

Miranda a encontrou sentada na bancada da cozinha com um livro aberto e sua quinta xícara de duplo expresso sem açúcar e um pouco de leite fresco, aquele robe de seda por cima de uma longa camisa de algodão com estampas decoradas e uma calça de moletom cinza particularmente velha que continuava a derrapar em seus quadris, agora que os quilos pareciam continuar a fugir dela, todas as suas roupas pareciam estar escorregando do seu corpo como se fossem costuradas em sabão. A morena sentiu seu cheiro antes de vê-la, porque Miranda tinha cheiro de orquídeas brancas e perfume francês com pó de café e coisas quentes bem guardadas. Quando a mulher de cabelos acinzentados sentou no banco do seu lado, a menina podia quase cheirar sua sobrancelha erguida e seu olhar feroz. 

Quando Miranda lentamente deslizou a base da manga caída em seu ombro para mais perto do seu pescoço, Andrea tentou continuar respirando. Porque agora havia isso, além de tudo, agora havia isso, essa coisa entre elas que poderia ser um fenômeno da natureza ou uma ilusão infantil e apaixonante do seu cérebro doente. Porque agora Miranda fazia coisas com ela, agora Miranda dormia ao seu lado todas as noites não importa onde ela esteja, agora Miranda deixa seus sais de banho no banheiro do seu quarto, agora Miranda coloca seu despertador na sua cabeceira e agora o cheiro de Miranda está sobre seu lençol. E quando Andrea tem dias bons, quando Andrea consegue subir as escadas sem precisar tremer e quase derrapar, nesses dias ela dorme no quarto de Miranda e afunda em seu edredom como uma coisa pequena e gananciosa. Quando pequena, Andrea sempre escutou que era uma criança carente, sempre exigindo demais dos adultos em sua volta, erguendo os braços para sua mãe que precisava trabalhar e oferecendo sua mão para seu pai que preferia assistir o jogo do seu time preferido. Andrea se apegou demais aos seus professores, ela sofreu com sua partida, ela aprendeu a preservar aquela parte de si dentro de uma caixa de aço trancafiada em um cofre secreto em seu pulmão e nunca deixar sair. Homens não gostam de mulheres tão exigentes assim, mulheres também não gostam de outras mulheres que demandam afeto como uma coisa quente e que pode quebrar.

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