5. Quadro Verde

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O prazo pro trabalho ia embora.

Quando chegamos a ideia final do que queríamos fazer, tinha apenas um fim de semana entre nós e a aula de entrega.

Como planejado, Harry não me contou o que ia retratar e eu não lhe contei sobre a minha colagem. O resultado dos dois me intrigava bastante.

Estávamos a caminho do ateliê quando Harry me entregou a foto que pedi, aquela com a irmã dele. A foto era recente, eu assumi, pelo rosto de Harry, e nela eles combinavam a roupa. Os dois de óculos escuros, o braço de Harry sobre o ombro da irmã. E, enquanto ela usava um macacão longo, ele usava um shortinho da mesma cor.

Concordamos em ir pro ateliê porque a colagem faria muita bagunça. Cola, papéis, tinta e etc. Porém, quando decidimos ir já estava tarde. O relógio bateu meia noite assim que chegamos. E não havia uma alma viva trabalhando ali aquela hora de um sábado. O que, sinceramente, me surpreendeu, porque a maioria dos artistas que conheço são completamente noturnos, provavelmente deveriam estar todos em seus quartos.

Puxei dois cavaletes pro canto e Harry me seguiu. Ele puxou uma mesa ao mesmo tempo, os recortes que trouxe na mão atrapalhando um pouco. E eu queria tanto espiar.

Se ele estava com as mãos cheias, eu estava mais. Carreguei a caixa de som, alguns recortes e cola com dificuldade.

Godês, pincéis e telas é sabido que sempre vamos encontrar ali, então não nos importamos em levar.

Coloquei os cavaletes posicionados opostamente e adicionei telas do mesmo tamanho. Fui buscar os materiais que precisaríamos e quando voltei Harry já tinha colocado os bancos e pego água. Havia uma sincronia em nossos movimentos, em como o espaço era devidamente preparado para que eu e ele pudéssemos ali criar.

Dessa vez, pedi especialmente para que Harry cantasse. Ele foi perdendo a timidez com o passar do tempo, a voz ficando mais alta e encorpada.

Os dois sabiam que a caixa de som estava ali pra isso. E os dois fingiram que não.

Gastamos aproximadamente duas horas para chegar em um descanso. Concordamos que não tínhamos acabado, mas que precisávamos descansar, meus olhos ardiam pela concentração e Harry começava a bocejar.

Enquanto ele lavava a mão suja de tinta, meu celular tocou. A tela dizia "mãe" e senti meu estômago revirar.

Era duas da manhã. Talvez fosse uma emergência, então atendi.

— Sua irmã quer falar com você. — Foi a única coisa que minha mãe disse antes de passar o telefone, sem esperar uma resposta de minha parte.

— O que você tá fazendo acordada, mocinha?

— Tive pesadelo com você. — A voz infantil do outro lado disse chorosa. — Mamãe disse que você estava bem, mas eu quis ligar pra saber que ela não tá mentindo.

— Eu estou muito bem, irmãzinha. — Troquei olhares com Harry, que estava surpreso ao ouvir menção de uma irmã. — Não precisa se preocupar, foi só um pesadelo besta.

— Mamãe pediu pra você ligar amanhã, Lou. — Realmente ouvi a voz da nossa mãe ao fundo. Não me surpreenderia se aquilo tivesse sido um plano só pra dizer isso. — A gente tá com saudade.

— Ok, Fayga. Eu ligo de manhã, tá na hora de você voltar a dormir. — Nossa mãe já perguntava qual tinha sido a minha resposta. — Te amo, pequena.

Quando desligo, Harry está enxugando as mãos agora limpas.

— Fayga? — Ele se vira com calma. — Tipo a Fayga Ostrower?

Chiaroscuro [l.s]Where stories live. Discover now