Capítulo 4

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Pra quem nunca tinha visto algo belo na voda antes, ei-lo:

Pra quem nunca tinha visto algo belo na voda antes, ei-lo:

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KADNA
***


Finquei as garras no convés pra não deixar as ondas me arrastarem pra fora do barco como os caixotes que eram destroçados ao caírem no mar. Os Cavaleiros da Morte já haviam se infiltrado no meio da ilha, fazendo o berro dos guardas e os disparos das armas compassarem uma música de terror junto com os raios e a chuva pesada.

Ao redor, os homens do orfanato gritavam qualquer coisa, enquanto tentavam impedir as coisas do diretor de se perderem.

- Aguarde o sinal – falou Ez ao meu lado, enquanto encarava a torre que se erguia no centro da ilha, muito mais alta que qualquer árvore.

- E se um raio me atingir? – questionei fitando um lampejo que nascia das nuvens e atingia o pico da torre. Me encolhi com o barulho que fez meus ouvidos zumbirem por alguns segundos.

- Não se preocupe – o homem sorriu por trás da barba. Um sorriso até que reconfortante pro líder dos Cavaleiros da Morte… - Sei de um restaurante que paga caro por insetos assados. A carne do seu  tipo é uma iguaria lá – o homem soltou uma gargalhada. Vadío!!

Enrolei os cabelos que passavam da cintura e prendi com uma faixa de pano. Não demorou muito pra uma bomba explodir em algum lugar, o sinal. Flexionei as garras de aranha então saltei cruzando os últimos metros de água. Um raio caiu ali perto fazendo o exoesqueleto branco das garras refletirem como um espelho. Pousei na areia e sem tocar o chão com os pés, comecei a correr.

Adentrei à floresta desviando das árvores e dos guardas (alguns  mutantes) que fugiam dos três Cavaleiros da Morte como um cardume ao avistarem uma baleia.

Cheguei à torre precisando torcer o pescoço pra trás pra enxergar o topo.

Respirei fundo, então comecei a escalar as pedras lisas. Alguns metros depois, uma lança saiu da parede vindo em direção à minha barriga. Os órgãos na minha barriga se reviraram abrindo espaço pra lança entrar pelo abdômen e sair pelas costas. Logo depois as feridas se fecharam. Não consegui evitar de cuspir um pouco de bile com minhas tripas literalmente se revirando. Deveria ser um Cavaleiro, ninguém sentiria falta mesmo…

Quando finalmente cheguei ao topo da torre, entrei pela janela e logo o cheiro de putrefação queimou meu nariz. Uma mulher estava sentada num canto, com correntes feitas de exoesqueleto prendendo os braços pernas e pescoço. Ao seu redor, ossos de ratos e sabe-se lá qual bicho mais, se decompunha juntando moscas. Só não sendo mais fedido que as fezes e a urina que manchavam seu vestido, rasgado e desfiado que só eram lavados pelas goteiras que vazavam do teto.

Olhei pros dois gravetos sob a minha cintura e depois, de novo pras coxas gigantescas da mulher, que faziam o vestido se agarrarem à elas e quase rasgarem. Mesmo parecendo que ela comia muito menos do que eu (sua cintura fina dizia isso). Vida injusta…

A mulher levantou os olhos e encontrei as íris castanhas em meios aos olhos avermelhados, então deu um sorriso amarelado. Pelo menos não perdeu os dentes...

- Bom te ver...

Batia as garras na parede até quebrar a pedra onde as correntes se prendiam. Segurei a mulher pela cintura e a puxei pra que se levantasse.

- A Colie vai tá lá – falei. Era difícil ignorar o cheiro e o vestido pegajoso. – Não diga nada.

Na parede, estava escrito com o que parecia sangue: Espero que não tenha demorado demais pra achar a coitada. De seu velho amigo, Domano Le Vals.





Assim que desci da carroça de madeira gelada com a prisioneira, e acompanhada pelos Cavaleiros que tinham vindo do porto em carruagens que Colie choraria só de poder ver, dois guardas vieram avisar que o diretor esperava no salão.

- Então leve a mulher, oras! – retrucou Ez acendendo o cachimbo.

- Mas, senhor… o se-senhor não deveria le-levá-la? – o guarda gaguejou.

- Nah… - soltou uma baforada no ar e o guarda se encolheu pra fugir da fumaça – Tô cansado, preciso de um cochilo. Não se mantém uma barba dessas sem um bom descanso... – o homem alisou a barba que chegava ao peito.

- Mas…

- Vá logo, antes que eu enfie esse cachimbo num ouvido e faça sair no outro.

No mesmo instante o homem tomou as correntes que prendia a mulher, e que os Cavaleiros tinham feito questão de não quebrar, e começou a andar para dentro do orfanato, mas essa caiu no primeiro passo.

- Você também, inseto.

- Não pensei duas vezes. Apoiei a mulher com uma garra e entrei também.

As portas do orfanato, com pássaros e flores talhados na madeira, subiam até o teto do primeiro andar. O guarda deu um leve empurrão e a passagem se abriu sem rangido algum de dobradiça.

O saguão era pequeno. Alguns casacos e chapéus pendurados em mancebos. Tomamos o primeiro corredor e viramos algumas bifurcações. Cada corredor novo era igual ao primeiro. Teto, paredes e chão cinzas pela pedra. Yanna escorregou no chão úmido e quase caiu. E estava úmido pra continuar cinza, já que não podíamos deixar gotas de sangue ou manchas de suor por aí.

Logo, estávamos no corredor que antecedia o refeitório. Seis quadros duas vezes mais altos que eu (o que não era muito difícil verdade seja dita), que progrediam numa historinha eram a única arte no orfanato além da porta. No primeiro, um ovinho branco dentro de uma colmeia, então o ovo se torna uma larva no próximo, ganha asas e as cores de uma abelha, vira uma operária, e no trabalho acaba picando um homem e por fim no último quadro, o homem esmaga a abelha com os próprios dedos.

Cheguei à porta. O lugar era excessivamente grande e com várias mesas posicionadas pelo salão e no canto oposto, um palco. O refeitório tinha um formato redondo e todo iluminado por janelas que iam do chão ao teto. Quando chegamos, já estava cheio. Era ainda mais desconfortável o lugar abarrotado entre de pulverizando as raras garotas, já que os únicos homens no antigo orfanato eram os Cavaleiros, guardas ou o diretor. E no palco, meu olhar se encontrou diretamente com o dele que sorria. Um calafrio percorreu minha espinha ao vê-lo, desci das garras sobre as quais eu andava e pus os pés no chão pra parecer menor.

Então deixei que os guardas levassem a mulher e achei um lugar ao lado de Colie que me deu um leve aceno de cabeça pra não chamar atenção. Respirei lentamente tentando acalmar o coração de novo.

- Queridas – disse o diretor com voz calma, quando a mulher finalmente chegou ao palco, ignorando os soldados no lugar-, espero que estejam bem – um sorriso sádico brotou em sua face levemente enrugada. – Espero que estejam bem... Tenho alguém pra apresentá-las – indicou a mulher com a mão.

Ela olhou para nós com o rosto enrugado e os olhos quase fechados. O braço esquerdo no qual ela estava apoiada cedeu, levando-a ao chão. Ela se apoiou novamente. No instante que aconteceu, algo saltou dentro de mim pra ajudá-la. Acho que não fui a única, pois houve um grande murmurar entre a multidão.

- Silêncio – o diretor não precisou levantar a voz pra obedecermos. – Essa é a Yanna. Ela estava inútil no porão do orfanato comendo minha ração, então resolvi por ela pra trabalhar. A partir de agora, ela será uma enfermeira. Respeitem-na. Ela é superior a vocês.

No porão é?

O diretor olhou por alguns segundos para a multidão. Quando nossos olhares se cruzaram desviei pro chão.

- Mas que chiqueiro!! – de súbito veio uma vós de trás. – Cheio de porcos imundos!

Um homem com um terno, que deve ter sido feito com um cobertor para cobrir toda aquela barriga, entrou pela porta. Puxada pelo gordo, vinha uma garota presa por uma corrente no pescoço, além de cinco homens armados com baionetas e algumas espadas.

- E essa coxuda também está à venda, Deyere? – falou o homem rindo enquanto se dirigia ao palco, suando a cada passo.

O diretor olhou pra Yanna e sorriu encarando o recém chegado, então disse:

- Tenho algo melhor pra você, Tury.

- Me chame de lorde Tury – resmungou o gordo fechando a cara ao parar aos pés da escadaria pro palco.

- É… pode ser – o sorriso não sumiu no rosto do diretor ao passo que ele encarava o tal lorde por alguns segundos enquanto apoiava as duas mãos sobre a bengala. E depois de um silêncio que me fez ter dó do lorde, continuou – tragam a 052.

Não demorou muito pra um Cavaleiro da Morte entrar. Assim como todos os Cavaleiros, uma cicatriz gigantesca cruzava a cabeça, da testa à nuca. O sobretudo preto roçando as botas de couro. Nubea ia atrás do Cavaleiro com a cabeça baixa e o rosto praticamente escondido pelos cabelos loiros. A menina alta com músculos definidos pelos treinos vinha encolhida e os quatro braços se cruzavam na frente do tronco. Fazia um tempo que eu não a via e seus músculos pareciam duas vezes maiores. Um vestido que chegava até os joelhos deixava à mostra as pernas que pareciam cobertas por um cobertor peludo e listrado, preto e amarelo.

- Ora, ora... – falou o nobre rindo quando o Cavaleiro parou ao seu lado. – Até que valeu à pena investir milhões naquele leilão – se virou para seus guardas – prendam-na.

Como assim leilão?…

O ar ficou preso na minha garganta quando um dos homens armados tirou uma corrente de uma bolsa, então prendeu no pescoço de Nubea.

Um resmungar coletivo se espalhou entre as meninas do orfanato mas parou de forma abrupta com um olhar de esguelha do diretor.

- Espero que voltemos a fazer negócios, Deyere. Gosto da sua mercadoria.

O diretor fitou o homem por um momento, então desviou os olhos pra porta, como se dissesse pra que fosse embora. O nobre pareceu ter entendido a mensagem, e sinalizou pros seus guardas pra saírem, sendo escoltados pelos guardas do próprio diretor.

- Você tá doido? – uma voz falha ecoou pelo refeitório. Todos se voltaram pro palco, onde Yanna, quase caindo, se agarrava ao sobretudo do diretor e o balançava como se pudesse matá-lo assim. – Não pode vender essas crianças. Ainda mais pra esse gordo esquisito!!!

- Não posso é? – falou o diretor arqueando uma sobrancelha. Ele não parecia bravo. Parecia curioso…

Tava tão distraída com a mulher que nem reparei quando o lorde já estava ao nosso lado. Algumas das meninas se moveram indecisas na direção do homem, mas logo recuaram. Algumas chegaram a levantar a mão na direção de Nubea, mas voltavam pro lado da cintura depois de um olhar na direção do diretor. Pior ainda, não reparei quando Colie acertou um guarda do nobre no queixo, e depois outro, fazendo ambos caírem duros.

Nubea ficou exposta e seus olhos cinzas e lacrimosos encontraram os meus. Colie havia entrado numa briga com guardas do orfanato também, enquanto o nobre gritava qualquer baboseira.

Droga, Colie!! Te odeio!!!

Atirei uma teia na corrente que prendia Nubea, e a puxei da mão do guarda. A garota correu parando às minhas costas ao mesmo tempo que Colie acertou um chute num guarda que voou na direção do nobre, fazendo-o rolar e derrubar mais uns cinco guardas juntos.

- DEEEEEYEEEEEEEEEEREEEEEEE!!! EU VOOOOOOU TE MAAAAAATAAAAAR!!! – gritou o homem balançando pernas e braços no ar quando parou de rolar, mas não conseguia levantar.

Os guardas engatilharam suas armas. Avancei atravessando os peitos dos homens com as garras. Seu eu chegasse no nobre talvez a Nubea não precisasse ir... Outro guarda se aproximou e num ímpeto, disparei um soco contra seu rosto. Quando meus dedos quebraram ao se chocarem com a cara do sujeito, percebi a idiotice que havia feito. O Cavaleiro da Morte me agarrou meus cabelos e me levantou no ar, então fez o mesmo com os cacho de Colie que estava a um guarda de chegar no nobre. Depois de uma joelhada no seu estômago, fez o mesmo comigo. Os guardas se reagruparam ao redor do nobre. Ao menos cinco continuaram caídos. Colie espremia os lábios pra não gritar enquanto, assim como eu, tentava a todo custo soltar a mão do Cavaleiro. O que essa coisa tá fazendo?…

- Se divertiram? – falou o Cavaleiro com um meio sorriso. Droga... O Cavaleiro separou os braços pra ver Nubea atrás de nós. Apenas seu olhar foi o suficiente pra Nubea voltar a se juntar ao grupo do nobre.

- Nubea! – murmurou Colie. – Desculpa…

O Cavaleiro nos soltou e nós duas caímos de costas no chão.

- Tudo bem? – Perguntou Colie vindo até mim.

O som de bengala batendo no chão começou na se aproximar. Minha pele gelou ao ouvir aquele som. Todas as pessoas abriram um espaço e se encolheram pra que o diretor passasse. Fitei o diretor que passava ao lado do lorde que o encarava com o rosto roxo de fúria. O nobre puxou uma espada da cintura de um guarda e apontou contra o diretor.

- Aonde vai, seu idiota?! – gritou o nobre. – É por isso que eu gastei tanto dinheiro?! Pra ser tratado como um espurco?! Eu vou mandar o rei cortar sua cabeça, velho imbecil. Eu sou mais importante que todos juntos nesse chiqueiro!!! Eu sou um nobre!!! Eu...

  O diretor se virou pro nobre sem dizer nada e o homem parou de súbito. O diretor sorriu, então disse em tom calmo. Calmo até demais:

- Você tem dez segundos pra sair vivo do meu orfanato – o diretor ficou parado. O nobre hesitou, mas logo começou a se mover com os guardas e também com Nubea. O gorducho passou resmungando pelo diretor, mas não falou nada audível.

Nubea foi embora, como entrou. Sem olhar para ninguém.

Quando o nobre finalmente passou, o diretor voltou a andar com os passos marcados pelo som da madeira batendo na pedra.

- Pelo menos vocês vão ganhar um presente também! – houve uma risada e quando olhei para o lado o baixinho deu um chute na cabeça de Colie e no mesmo movimento me acertou no rosto.

- Co... – tentei falar mas o breu me roubou antes

***

O guarda havia dito que já fazia três dias sem água nem comida. As fogueiras espalhadas pela sala preta faziam minha pele arder tanto quanto a garganta, nariz e os olhos completamente secos. Uma gota de sangue caiu do meu lábio e se espalhou pela pedra do chão. Eu deveria lamber? Antes de decidir porém, a gota secara.

Segurei o nariz tapado quando a ardência me fez espirrar, pra não cortar a mucosa do nariz, mas foi triste ver a saliva que eu não tinha ir embora.

- Acho que eu vou morrer!! – falou Colie sem produzir nenhum som com a voz.

- Não vai.

- Meu lábio tá todo descascado. E seu puxar e acabar me auto esfolando. Kadna, Kadna!!! Eu tenho medo de morrer esfolada!! Dói muito ficar sem pele no canto do dedinho!!!

Sério? Me virei pra ela e os lábios trêmulos e olhos arregalados declararam que ela falava bem sério.

- Que tal isso? Não puxe! – me esforcei pra sorrir, e descobri que isso fazia meus lábios cortarem ainda mais.

- Ahn… - Colie fitou o teto por alguns segundos e voltou a recostar a cabeça na parede. – Não me culpe. Meu cérebro tá seco.

Espalhado pela sala preta haviam vários instrumentos trazidos do antigo orfanato. Uma cama pra amarrar braços e pernas e esticar o mutante, uma serra feita de couraça, pra serrar fora a armadura dos mutantes que tinham, um caixão com insetos carnívoros (esse me dá pesadelos até hoje), e vários outros que eu esperava nunca mais ver.

- Por que será que o Nashyo foi atrás de mim? – perguntei tentando distrair a mente da hipertermia.

- É a quinta vez que você me pergunta isso - chiou.

- Sério? – realmente não lembrava. – O cara estranho não falou nada?

- Nada sobre o Nashyo.

Colie havia contado que assim que foi atrás do humano de roupão, o sujeito havia sumido e deixado na casa um gás que impedia de rastrear seu cheiro.

- Mas acho que se não fosse por ele… - Colie teve uma crise de tosse. – Eu teria morrido junto contigo.

- Provavelmente só você, já que ele não tinha acertado meu coração – só ouvi um murmúrio como resposta. – Será que foi uma retaliação do diretor?

- Acho que isso – ela apontou a sala com as unhas quebradiças. – É mais a cara dele.

Então, a porta foi aberta. Me encolhi com o excesso de luz que sobrepujava o fogo. Então sem ver, um balde de água gelada foi jogado sobre nós.

ISSO!!!

Me abaixei no mesmo segundo, encostei os lábios no chão e suguei o máximo de água que consegui enquanto o guarda apagava as fogueiras. Minha garganta e língua cortadas choraram de alegria ao receberem o banho. Colie e eu tomamos o máximo de água que conseguimos até o guarda nos mandar levantar. Ainda sim, continuei sugando a água da própria roupa.

Que delícia!!!

- Vem! – o guarda gritou puxando Colie e eu pelas cordas que prendiam nossos punhos.

- 105, sala de couraças – o guarda indicou o outro lado do corredor depois de nos soltar. – 106, pro refeitório.

Acenei pra Colie e fui pro refeitório.

Quando cheguei, todos estavam ali já comendo, com exceção de besouros. Também os novos soldados enchiam o salão. Fui até o canto onde estavam os pratos de madeira. No momento em que olhei pra dentro do caldeirão onde estaria o mingau, a fome que eu senti nos últimos três dias foi embora. Sem uma colher, enfiei a mão na gororoba cinza e pus no prato. Só aprendi a ignorar a sujeira depois de cinco anos no orfanato, ou eu o fazia, ou ficava paranoica e já tinha coisa demais pra me enlouquecer.

Ao me virar, um guarda cruzava o refeitório na minha frente. Desviei o olhar pra baixo e esperei que passasse. Quando estava longe o suficiente, fui pra uma das mesas onde estavam algumas meninas.

No caminho passei por uma mesa que caberia umas trinta pessoas, mas a única sentada alí era Zia que havia matado Lisa. A mutante havia emagrecido mais do que deveria ser possível em duas semanas, fazendo a pele fina se esticar pra cobrir os ossos pontudos do rosto, criando bolsas negras e profundas sobre os olhos. Zia desviou o olhar assim que passei. Nem Colie nem eu havia dito nada a ninguém sobre o que acontecera na carroça.

O silêncio era absoluto, exceto pelo som enervante de arma chacoalhando, somado aos dedos pegando o mingau. Sentei e comecei a comer imediatamente, peguei um pouco da massa cinzenta e pus na boca. Apertei os dentes para não deixar a comida escapar. Os flocos arenosos arranharam minha língua ao passo que o sabor vazio e ao mesmo tempo amargo fez minha boca se encher de saliva salgada quando o vômito quase escapou.

À minha frente o lugar de Nubea estava vazio. Lucia que deveria estar ao seu lado, a todo momento se virava com olhos encharcados, sem encontrar ninguém. Lucia ainda tinha o olho um pouco roxo do conflito com os Cavaleiros. Também Aghata ao seu lado tinha uma falha no cabelo onde um tufo tinha sido arrancado. Apesar disso, ninguém foi pra sala preta por isso, quando chegamos no orfanato. Não ainda. Depois do terceiro bocado, estava cogitando seriamente se deveria parar de comer, mas a fraqueza que sentia ao levantar o braço me obrigou a continuar. Lucia tirou uma folha de papel da manga, menor que uma palma. As letras eram tão pequenas que só as mãos precisas de um mutante conseguiriam escrever, e só os olhos de um conseguiria ler.

- A Nubea deixou isso pra mim – Lucia sussurrou.

- Quando? – Aghata ao seu lado indagou no mesmo tom.

- Há mais de um mês. Ela me entregou enquanto nos cruzávamos no corredor – Lucia limpou uma lágrima na manga, então entregou a folha à Aghata.

A louva-a-deus dragão leu o texto enquanto remexia os cabelos. Depois de ler, Aghata ficou encarando a folha, mesmo com a pupilas dilatadas de desfoco.

- 015? – chamou a mutante ao seu lado, mas a louva-a-deus continuou encarando a folha que tremia em suas mãos. – 015? – insistiu tocando-a com o cotovelo.

- Que foi? – Aghata se virou pra mutante de repente.

- Deixa eu ler!!!

- Ah... – Aghata passou o recado. - O diretor tinha me chamado pra três missões diferentes nos últimos dois meses... – sussurrou. – Quando éramos mais novas, era sempre.

- Missões de assassinato, 015... – Lucia pontuou.

- Mas e se o diretor não precisar mais de mim? – insistiu Aghata. As antenas de Louva-a-deus a todo momento giravam, procurando a aproximação de algum guarda.

- Não precisar de você? Nós somos us

Dama De Ferro (EM EDIÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora