Bônus

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Eu odeio velórios.

Pela madrugada recebemos a notícia. Meu pai faleceu depois de tanto se entupir de cocaína, encontrando o destino que tanto procurou.

O que ainda martelava em minha cabeça era o fato do homem ter conseguido fugir da clínica em que estava internado. Sem dúvidas teve ajuda, mas quem?

Sentada de frente a penteadeira camarim, ajeitei os cabelos que antes se encontravam uma bagunça completa. Suspirei, comecei a me maquiar, desejando que esse dia que mal havia começado, se acabasse logo.

Por mim eu nem iria.

Mas sabendo que Lúcia, Solange e Kelly me infernizaram por um bom tempo, decido evitar momentos cansativos.

Era estranho.

Quando recebi a notícia, não senti nada além de surpresa.

Minha relação com meu pai foi boa apenas nos primeiros anos da minha infância. Depois que mamãe desapareceu das nossas vidas ele mudou completamente. Passou a beber todos os dias, se drogar, ficar sem paciência para nós. Lúcia foi quem trouxe o carinho que me foi roubado.

Nossa relação se desgastava a cada ano, era como se ele fosse um estranho. Só abria a boca para me dar ordens, jamais houve um gesto de carinho. E pensando em toda loucura em minha vida, ele sequer se importou quando traçou meu destino quando era apenas uma criança.

Em um ato arcaico e totalmente absurdo, me fez casar sem ao menos se preocupar com meu bem estar. Tudo por poder, em nome dos seus negócios sujos. Mamãe retornou para enterrar essa relação paternal de vez, pois depois de ouvir tudo que saiu da sua boca, meu repúdio triplicou.

Não desejava seu mal, longe disso.

Mas o ser humano é livre, e as consequências em nossas vidas é o retorno de tudo que se constrói ao longo dela.

Minha mente ainda estava agitada, os pensamentos, as lembranças, tudo isso me fez recordar de coisas que ainda me afetavam.

Minha infância. O início do meu casamento. As coisas que ouvi da minha mãe.

Eu precisava me distrair de tudo isso, mas sabia que era impossível.

A porta do quarto foi aberta, sem mesmo olhar inspirei o cheiro gostoso de quem adentrava. Shawn veio para perto, se colocou por trás de mim e tocou meus ombros, fazendo carinho.

Observei seu reflexo no espelho.

Usando um terno preto, gravata na cor vinho, seu porte austero me fez unir as pernas discretamente. Convidativo e tentador, a presença do homem era uma amostra do que tinha todos os dias. Minha brincadeira diária.

— Como você está? -continuou fazendo carinho, me fazendo relaxar.

— Eu não quero ir, para mim não tem sentido. -respirei fundo, soltando o rímel. — Ele teve o que sempre procurou, vida que segue.

Shawn inspirou profundamente, colocando as mãos no bolso.

— Você é radical demais, Bey. Deixe a mágoa de lado. Sabe que Lúcia e as meninas estão abaladas. Faça isso por elas. -engoli em seco depois de ouvi-lo.

Me coloquei de pé, ajeitei o vestido e Jay me deu uma olhada rápida.

— Minha mãe deve estar pulando de alegria. -fui para perto e me segurei nos ombros largos.

— Sem dúvidas. -os braços fortes me enlaçaram pela cintura. — Mas sempre tive uma dúvida. -as íris escuras me sondaram.

— Dúvida? -semicerrei as pálpebras suavemente.

CONTRATO (Completo)Where stories live. Discover now