Trégua

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A cela fedia a mofo e sangue seco, não precisava ter um olhar tão analítico para achar a origem desse fedor, bastava olhar os pequenos espaços entre os tijolos de pedra e veria marcas de arranhões com sangue e até pequenas lascas de unhas que indicavam que os últimos minutos de vida do último inquilino foram de agonia. Para ajudar, agora Caspian sentia o mal estar refletido de seu amante em estágio avançado de abstinência, mas não chegava perto do estado deplorável de Eddie – este já com fundas olheiras abaixo dos olhos e uma palidez que fazia sua pele ser quase amarelada.

─── Um plano improvisado. Você agiu completamente à mercê da sorte e esperava que isso desse certo. Ótimo trabalho, chefe!

─── Eu posso ter me equivocado em subestimar aquele fedelho, mas não precisa agir como se eu fosse um completo fracasso.

─── Você demorou dias para vir até aqui, poderia ter planejado algo decente! ── Edmund resmungava com a voz embargada pela forte náusea, seu corpo todo estava tremendo e jurava nunca ter sentido tanto frio mesmo quando era humano.

─── Você está realmente reclamando do meu resgate?

─── Oh, claro. Como pude ser tão ingrato com o homem que me fez ser preso e veio me resgatar dias depois! Que cretino cruel eu sou, não é mesmo?! ── Eddie revirava os olhos entre as piscadas pesadas, como se suas pálpebras exigissem um esforço enorme para erguerem.

─── Eu nem faço ideia de como está se sentindo. ── Caspian retrucou com uma postura teatral e cínica de puro drama ── Oh não! Espera! Eu sei, afinal você me deixou definhando por duzentos anos e não... voltou... pra me tirar... dessa merda de situação!

─── EU JÁ ENTENDI, CASPIAN! ── Edmund gritou dando um soco na parede atrás de si e suspirou alto jogando a cabeça para trás. Os dois ficaram quietos, cada um escorado em uma parede da cela. ── Eu cansei dessa merda. ── Eddie enfim murmurou depois de um minuto longo que pareceu ter durado horas ── Já sei que tomei péssimas decisões, que eu poderia ter feito isso com qualquer pessoa menos você, e acredite, eu tenho sido muito paciente com você desde que cheguei aqui porque tenho total ciência de que estou errado. Tudo o que eu queria é que entendesse que eu te amo e que eu quero que as coisas funcionem entre nós.

Caspian apertou os lábios quando escutou as três palavras, aquilo doía tanto. Esse era o problema de ser um monstro, as pessoas mentem quando dizem que monstros não sentem, a verdade é o total oposto disso, sentem demais. O amor que sentiam um pelo outro era doloroso, porque parecia que nada era o bastante para expressarem essa emoção intensa que os consumia e tornava tortuoso qualquer momento em que estivessem distantes, mas ao mesmo tempo estavam cientes de que sempre aconteceria algo em que um machucaria o outro, pois era um amor mortal, era um amor doentio que fazia com que destruíssem tudo aquilo que os mantivesse afastados, inclusive eles mesmos se assim julgassem necessário.

─── Eu sei, Edmund. ── Caspian assumiu com uma voz tomada por dor. Ao fechar os olhos algumas lágrimas escorreram por seu rosto ao relembrar da última noite que tiveram há duzentos anos. A noite em que se Edmund se entregou de corpo e alma. Lembrou do cuidado que Eddie teve em proteger Caspian quando um deslize de sua irmã quase o matou, lembrou do primeiro beijo que deram e enxergou nos olhos de Edmund que ele tinha desistido de matá-lo. Doces lembranças que tornavam a partida de Eddie mais dolorosa quando relembrada ── Eu sei que você me ama ao ponto de ser uma dor agonizante ficar longe de mim e por isso você me deixou, porque você continua querendo se punir por causa da merda que Jadis fez na sua cabeça. ── enquanto falava, Caspian caminhou na direção de Edmund com uma feição de revolta e melancolia ── Eu estava disposto a largar tudo, meu reino, meu mundo, por você, porque você valia isso tudo pra mim. Agora eu não consigo ver esse valor, porque não sei o quanto valho pra você, porque sempre que eu tirar meus olhos de você vou temer que desapareça de novo.

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