4/4 - Carry On My Wayward Son

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O escritório do meu pai era muito suspeito. Tinha fotos de generais presidentes. Tinha uma bandeira do Império Brasileiro. Tinha um quadro de Getúlio Vargas, e fotos dele apertando a mão de Monteiro Lobato, e do meu avô com Bento Gonçalves, líder da Revolução Farroupilha.

Eu havia evitado ao máximo ir até o escritório dele. Primeiro, resolvi tomar um banho de 42 minutos. Renata ficou irritada com aquilo e começou a esmurrar a porta me mandando sair. Ela tinha essa ideia de que eu só era como era, porque Elena me mimava, então ela vivia me contrariando porque achava que isso me transformaria em uma pessoa normal.

Inventei todo tipo de afazeres estapafúrdios aquela manhã, até que o velho Herman se irritou e tornou a me chamar. E por me chamar eu quero dizer: usar os poderes dele para me obrigar a ir à porcaria do escritório, onde eu estava naquele momento. Sentado em uma cadeira funda demais que me fazia parecer pequeno em frente à mesa dele.

Meu pai sempre era maior e mais assustador ali. Era parte do truque. Ele não precisava ler a minha mente para saber o quanto me assustava.

Fiquei olhando meio enjoado enquanto ele oferecia bolinhos e chá a Suzana, e perguntava sobre sua mãe e sua irmã. Como se Elena não estivesse todos os dias em nossa casa e como se ele mesmo não tivesse me proibido de ver Marcella. Apoiei as mãos na mesa e comecei a contar meu compasso do dia com os dedos.

― Não se incomode com o Alec, Suzana. Ele fica assim às vezes. Você já deve saber disso... ― Ele me encarou, ainda fazendo aquela encenação besta. Eu odiava quando ele me chamava daquele jeito.

― Seu Herman... - Suzana estava desconfortável e tentou mudar de assunto. ― Por que eu nunca vi vocês fazendo essas... coisas de Imortal?

Ele pousou a xícara sobre o píres, calmo, muito calmo. Meu pai era sempre assim. Dizia os maiores absurdos com toda a calma do mundo, e depois, quando você começava a gritar com ele, você era o louco da história.

― Alec não deve ter explicado muito bem a natureza de nossa realidade. O mundo, Suzana, é perigoso. Vocês, mortais, estão tão ocupados em suas guerras, em seus ideais políticos, têm tanto medo do crime e da instabilidade do governo, que não percebem coisas óbvias que acontecem à sua volta. Nós tratamos de garantir que as coisas continuem assim. Claro... ― Ele olhou outra vez para mim. ― Quando falo nós, me refiro aos imortais treinados, e não a você, filho.

Suzana sempre me defendia, e estava prestes a falar alguma coisa para o meu pai quando eu empurrei a travessa com bolinhos de canela para ela. Melhor assim.

― Não se preocupe. Você está no lugar mais seguro do Brasil. Um dos mais seguros do mundo, aliás. ― Ele sorriu.

― É que o Alex falou sobre um tal de Irlandês quando estávamos no Centro e tinha a canção das bruxas...

Meu pai jogou a cabeça para trás e riu sem humor.

― Mais essa agora... ― resmungou. Então se recompôs, bebeu o resto do chá, ajeitou a gravata e falou com a mesma calma. ― Alex adora inventar histórias, querida. Você já contou a ela, filho, aquela sobre a neve voltando para o céu?

Me encolhi, rangendo os dentes com raiva. O velho Schüch sorriu e entrelaçou os dedos sobre a mesa.

― Agora vamos ao segundo tópico da nossa conversa: Pode me dizer por que aquela... aquela coisa... está na minha casa?

― Que coisa? ― Eu perguntei.

― Eu acho que ele tá falando da Calliope... ― Suzana sussurrou para mim.

― Não é uma coisa. É uma garota ― argumentei.

― Aquilo não é uma garota, ela vem...

Uma Rapsódia Do TempoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora