Pausa (Conclusão)

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Kai me levou até seu ponto de pesca, como ele mesmo chamou. Sierra nos acompanhou. Ele pegou uma vara de pescar e uma luneta no suporte à beira do cais e sentou no deque, com os pés suspensos sob a água. Apoiou a vara de pescar no colo e começou a espiar o horizonte com a luneta.

— O que você está fazendo? — indagou Sierra, entrando na frente da luneta de Kai.

O cais fora construído à beira do lago, mais ou menos a duzentos metros da cabana. A água do lago tinha uma tonalidade fresca, um azul que se tornava lavanda, que se tornava lilás à medida em que a extensão do lago avançava no horizonte cinza-alaranjado de um sol pálido e frio, mas brilhante. Mais do que em qualquer lugar do universo. Acima das nuvens coloridas que escondiam o sol, se estendia uma abóbada sólida e estrelada, um índigo profundo e misterioso, como um grande mar suspenso salpicado de pontos brilhantes. Kai chamava aquele lugar de A Borda do Mundo, era o limite de seus conhecimentos sobre a geografia daquele pequeno planeta.

— Quer sair da frente e me deixar trabalhar. — Empurrou a gata siamesa delicadamente, tomando cuidado de não jogá-la na água. — Cá estamos, Schnauzer. Vamos ver como vai se sair. Apostei minha safra de maçãs com outros dois Juízes do Oeste que você vai fracassar.

Abaixei os olhos.

— Eu também teria apostado contra mim.— Me sentei ao lado dele. — Vocês devem ter visto a surra que eu levei, numa televisão interdimensional, ou sei lá.

— Sim. Na verdade eu ouvi pelo rádio. Alguns Valentes fazem a transmissão e colocam uma narração quando alguém enfrenta um Avatar do Caos ou algo similar. É bem divertido. — Kai deu uma risadinha velhaca.

— Você é horrível, Kai. — Sierra lançou-lhe um olhar de reprovação.

— Não. Eu sou prático. E sou até bonzinho, tem muita gente no nosso ramo que é a favor de acabar com os Imortais de uma vez por todas. Apesar das burradas que eles fazem, ainda acredito neles, e quero muito estar errado. Até porque, não plantamos maçãs. — O Juiz riu um pouco.

— Como eu disse, você é um ser humano horrível, e me pergunto todos os dias como veio parar aqui. — Sierra lambia as patas.

— Talvez eu escreva um livro sobre isso um dia. — Kai ajustou o foco da luneta. — Agora temos um novo ciclo criado, uma nova linha do tempo, uma folha em branco. O que significa que qualquer um pode vir aqui nesse universo e bagunçar tudo, porque o Usher pegou birra da cara do idiota do Schneider... Argh! Deus, isso não pode ser verdade! — Kai atirou a luneta no lago.— Isso é tão idiota. Você percebe? — Ele se voltou para mim.

— É Schüch — falei, desanimado.

Sierra ainda se limpava calmamente.

— Você fica aí todo medroso. Nem parece o cara que nos trouxe para cá há cinco mil anos. Eu achava que vocês Juízes Eméritos eram quase deuses. Você tira estrelas do caminho quando está muito quente e puxa elas de volta quando esfria demais, ilumina a noite com auroras só pra divertir seus animais de estimação. Nós somos seus únicos amigos no universo, Kai. Seria legal ser honesto com o rapaz uma vez para variar.

— Ele pode fazer tudo isso e no entanto está aqui levando uma bronca de um felino doméstico. Ok. — Aproveitei para zoar um pouco com Kai. Eu não tinha nada a perder mesmo. — Só queria saber qual o problema daquele cara. O Usher. Ele parece ter algo pessoal contra mim. As coisas que ele me mostrou. Ele queria mais do que só quebrar meu corpo... Queria destruir meu espírito. Me fazer querer ser derrotado e consequentemente morrer...

— Não é só com você, rapaz. Ele não se importa com nada além de si mesmo, entende? Quer iniciar um tipo de Big Bang à prestação, um extermínio lento da humanidade, seguido de uma distorção do espaço-tempo até que tudo regresse ao nada, e, com o Direito de Ação quebrado, Usher pode brincar de ser Deus por um momento na Eternidade e refazer tudo. É claro que, em teoria, o Criador se compadeceria desse novo universo criado e concederia almas aos seus habitantes, eventualmente. Mas pense nas trilhões de almas perdidas no processo de reinício! Seria uma hecatombe de proporções inimagináveis!

Uma Rapsódia Do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora