4/4 - Bohemian Rhapsody (Conclusão)

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― Miau!

Minha cabeça ainda doía e eu me sentia meio grogue. Abri os olhos devagar, sentindo as pálpebras pesadas. Ao menos os ferimentos haviam sarado, pensei, automaticamente sentindo asco daquela camisa empastada de sangue seco.

― Miau! ― Ouvi de novo o miado, sinal de que não estava nos meus delírios inconscientes. Olhei para o lado e me deparei com os olhos grandes e verdes de Sierra.

Que bom que acordou. A gata disse, mas ao contrário do que acontecia no planetinha, ali a voz dela estava apenas na minha cabeça.

Nós não conseguimos falar aqui. Sierra explicou, lendo meus pensamentos.

Apoiei os cotovelos nos joelhos, ainda encostado na parede parcialmente queimada da sala.

― Por que você está aqui? ― perguntei. ― Achei que nenhum Juiz me ajudaria.

Nós não somos Juízes, somos gatos. Nós fazemos o que queremos.

― Nós? Então o Whiskey também...? ― Comecei a falar, então ouvi uma voz enjoada na minha cabeça:

Bom dia, criatura inútil. Boa tarde, na verdade. Não tem atum nessa casa, você sabe disso, não sabe? Patético! Uma casa que não tem atum.

Olhei mais adiante, da cozinha destruída veio o gato branco caminhando ao lado de Suzana.

Engoli em seco e olhei para cima. O segundo andar estava quase inteiro. Claro. A luta toda foi embaixo. Só o telhado do meu quarto estava desabado.

― Sabem. ― Comecei ― Pela primeira vez em anos eu dei boa noite a alguém disposto a ir dormir. A fechar meus olhos e descansar. Até dei um beijo na testa da Cal. Disse Boa noite. Te vejo amanhã. E ela respondeu Mal posso esperar. Ela mordeu o dedo, como sempre fazia. Por que sempre que eu estou disposto a mudar, o universo me acerta um belo tabefe na cara? Metaforicamente falando. ― Escondi o rosto com as mãos.

Suzana sentou ao meu lado e passou a mão na minha cabeça. Não disse nada. Mas eu sentia o olhar dela sobre mim.

Acho que você não tem muito tempo para ficar reclamando. Precisamos listar os pontos fracos do Usher e formular uma estratégia. Pelo menos dessa vez, aja menos como um bebê chorão mimado e mais como o homem poderoso que esperamos que seja. Whiskey reclamou.

― Aí! Nós acabamos de perder tudo, tá! Família, amigos, nosso mundo! ― Suzana gritou. ― Deixa pelo menos a gente se sentir triste por isso!

Tudo bem... Podem se sentir tristes, eu permito. Mas temos menos de vinte e quatro horas, então é bom que não ocupem muito tempo com isso. Whiskey olhou ao redor desanimado, Sierra bateu com a pata na cabeça dele.

Insensível! Ela disse, e depois foi até Suzana e passou a cabeça nas pernas dela, como se tentasse consolá-la.

― Eu posso pelo menos saber por que os poderosos me negaram ajuda?

Você quebrou o Direito de Ação. Sierra falou. A lei dos Juízes não permite que um imortal, mesmo aqueles com controle sobre o tempo, naveguem de uma linha para outra sem autorização. Kai sabe que não foi culpa sua, foi tudo parte do plano do Usher, por isso mandou a Cal até você, para fazê-lo consertar as coisas e mostrar aos Círculos que tinha boas intenções.

― Mas boas intenções não bastam, não é? Eu sou basicamente o réu de cinco Círculos Eternos desde o começo, não sou?

Sierra assentiu.

Quando completou a missão de salvar Emmet, Kai convocou o julgamento. Mas as leis dos Juízes dizem que apenas decisões unânimes podem ser tomadas. Juízes não podem dar sentenças divergentes porque eles são a representação da vontade do Criador, e a vontade do Criador não se volta contra si mesma. Ela é boa, perfeita e agradável.

― Estou vendo... ― resmunguei desanimado. ― Deixa eu adivinhar? A bibliotecária misantropa ficou contra mim?

Whiskey balançou a cabeça.

Não, o Círculo do Conhecimento deu um parecer favorável. Assim como Tempo, Esperança e Paz. O Destino está contra você. O que não é um bom sinal.

― Puta que me pariu! ― Passei a mão pelo rosto e percebi o sangue seco sob minhas unhas. Aquilo me deu uma aflição imensa. Tive que levantar e lavar as mãos, mas assim que vi o sangue nojento sobre a minha camisa entrei em desespero. Não adiantava. Não adianta lavar as mãos quando se está coberto de sangue. Você ouviu isso? Destino, seu pé no saco!

Acho que não. Acho que nenhum de nós ouviu, porque eu continuei lavando as mãos furiosamente até Suzana me fazer parar. Era uma daquelas situações em que eu não percebia que estava gritando.

Quando eu me acalmei, Suzana me disse que eu devia tomar um banho e vestir roupas limpas. Eu obedeci e quando retornei, ela e os gatos estavam na cozinha. Suzana conseguiu um pouco de salmão na geladeira para Whiskey e Sierra, eles comeram, enquanto ela se sentava em um canto da cozinha e chorava. Me aproximei e sentei ao lado dela, ela colocou a mão sobre a minha e entrelaçou os dedos. Eu estou aqui por você. E você está aqui por mim. Isso nunca vai mudar. Esse era o significado. Um significado que não mudava porque não era feito de palavras.

Eu havia ponderado durante um longo tempo, e agora, finalmente tinha uma resposta.

- Eu sei o que fazer... ― Eu disse a ela. ― Todos eles vão voltar. Eu prometo...

― Mas e você? ― Ela olhou para mim, os olhos vermelhos de tanto chorar.

Eu não respondi. Fechei os olhos e encostei a cabeça na parede.

― Você se lembra daquela música? Aquela rapsódia que você gosta... Sobre o cara que comete um crime. ― Comecei a contar o compasso com os dedos. ― Hoje é dia de quatro por quatro. Escolhi ela. A letra diz algo como: Se eu não voltar amanhã, continue, como se nada realmente importasse.

― Alex... ― Suzana disse.

― Por favor. ― Eu olhei nos olhos dela por quase dois segundos completos. Era importante, ela sabia. ― Durante todo esse tempo você cuidou de mim. Isso não está certo. Os mais velhos têm que cuidar dos mais novos. Essa é a ordem certa das coisas.

Suzana chorou mais, chorou até ficar exausta. Enquanto isso eu via a luz do dia recuar à medida que o tempo passava. Os raios de sol vindos da janela foram diminuindo e dando lugar a sombras cada vez maiores. A última noite do mundo foi uma noite escura, sem estrelas e sem luar. Suzana adormeceu ali, encostada em mim, eu a levei para o andar de cima e a embrulhei com a manta azul. Voltei para a sala e encontrei os gatos ao pé da escada.

Você tem um plano? Whiskey perguntou.

Tenho. Respondi apenas em pensamento e os gatos se aprumaram para ouvir. Mas primeiro, preciso ter certeza de uma coisa: por que Maddox Usher não apagou minha existência?

Sierra e Whiskey se entreolharam e quase pude ouvi-los dando risadinhas.

Não é que de vez em quando o garoto pensa... Whiskey disse.

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Oi, pessoal! Como está o domingo de vocês?
Confesso que, assim como o Alex, eu não gosto muito de domingos. Mas tudo bem.
O que acharam do capítulo de hoje?
Obrigada a todos que estão acompanhando a Rapsódia. Ah, e não se esqueçam de clicar na estrelinha ⭐ isso ajuda muito a história.

Beijos e até amanhã 🙃

Uma Rapsódia Do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora