A Farsa de um Cavaleiro.

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Os cavalos trotavam e relinchavam, caminhando em terreno lamacento. Sobre eles, os maiores mestres da batalha comandavam, em busca não só da vitória, mas também da vingança. No ano anterior, a glória havia sido entregue a oeste do reino na Quarta Guerra dos Mil Sangues por traição na frota inimiga. Na altura, o ataque duplo era uma vantagem dos reinos mais ricos, mas se mostrava ser a mais arriscada e pouco eficiente, pelas gambiarras artesanais de batalha criadas e nomeadas como armas de guerra, por mais que se assemelhassem a meros brinquedos para as crianças que circulavam nas aldeias. Poucos o achavam, mas para Sor Mephisto, admitir tal coisa era um ato de misericórdia com os artesãos. Imaginava que receber tais projetos seria de tal forma deprimente que não aguentaria pouco mais de um dia naquele trabalho, por isso venerava os que paciência tinham. Não era um mestre manual, mas suas mãos dominavam as lâminas com uma maestria de invejar, e por isso lhe eram entregues as maiores responsabilidades. Havia sido designado para proteção da filha do Rei assim que o conflito surpresa começou, então empunhou sua grandiosa espada e a brandiu no meio dos corpos inutilizados, escoltando-a para onde mais seguro fosse até que o sangue parasse de jorrar.

Até então não havia nomes que pudessem descrever tal chacina pela busca de riqueza. O Rei estava em batalha, o combate era a disputa pelo trono, então atingir as fraquezas passava a ser fundamental. O tão esperado guerreiro questionava-se enquanto assistia por entre as frestas de madeira antiga do barracão; aquela luta toda teria um fim? Somente um cavaleiro dotado teria a capacidade de deitar aquele rei abaixo, perder a vida tentando seria desperdício. Porém, levando em conta o prestigiado posto de comando que seria alcançado somente por erguer o elmo de touro da Graça, era compreensível. Foi nisso que se concentrou. Não suspeitavam do refúgio, ouvia as lamúrias de quem os procuravam no meio dos gritos de guerra e de dor, e saber da liberdade era prazeroso. No seu ínfimo corria o desprezo pela raça quando, por anos de treinamento, fora desprezado pelas classes. O desejo pelo patamar crescia a cada segundo que assistia os jovens cavaleiros lutando, e isso foi a gota d'água para ceder. A fala da princesa foi abafada com o punho enquanto a adaga deslizava por sua pele, através da luva de pele de lobo, sentia a marca dos seus dentes enterrados na sua pele.

Prosseguiu, abandonou a barricada e subiu para seu cavalo, trotando ao encontro da Graça. Desviando-se dos golpes deliberados que recebia pela concorrência, manteve seu olhar preso na Graça abaixo do chifre menor do seu próprio elmo. Sor Mephisto aproximou-se do Rei pela lateral e atingiu o pescoço de um guarda do Castelo Sul. "Klaue, conseguiu entregar minha filha? Cubra minhas costas, eles estão vindo de todos os lugares!" Ouviu-se no meio do tilintar das lâminas. O cavaleiro assentiu, erguendo o queixo em posição de superioridade aos inimigos. Escondendo-se na glória de um traidor, Mephisto retirou seu próprio título imponente mentalmente, e após deitar alguns corpos abaixo como seu último ato fiel, usou a retaguarda da Graça para tomar vantagem. O ponto fraco daquele elmo cerrado estava abaixo do pescoço, aonde havia uma única fenda que dividia lugar com o peitoral. Aquela armadura era um verdadeiro labirinto do metal mais resistente. Quem forjou o metal teve o cuidado de fazer uma armadura totalmente coberta, de modo a que haviam poucas posições em que deixava exposta parte da pele da Graça. Foi aí que atacou. Que quebrou o contrato de fidelidade real para assumir o trono. E quando retirou o elmo ensanguentado da cabeça do indivíduo que já não possuía qualquer poder, decepou o que restava e ergueu a cabeça pelos fios capilares compridos e brancos que pingavam de suor. Foi ali que soltaram suas espadas e, aceitando a derrota suja, se ajoelharam perante a nova autoridade. O verdadeiro traidor do reino era o único capaz de o ver por trás dos sorrisos, a traição podia resumir seus atos, mas no seu comando, era a nova pena de morte.

Devaneios de uma Alma PerdidaWhere stories live. Discover now