Um

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Ela é linda.

Não um "linda", tipo modelo. Um "linda" peculiar, só dela.

Hoje, seus longos cabelos negros estão presos em um coque alto. Deixando seu pescoço a mostra. O que, de alguma forma, conseguia me deixar ainda mais atraído.

Ela é linda e misteriosa.

Desde que o ano letivo começou, há algumas semanas, ela frequenta a biblioteca semanalmente. Sempre sozinha, pega os livros que quer e senta-se, sempre na mesma mesa, do canto, perto da janela. Então fica ali, um tempão, lendo os mais variados temas. O que me dificultou saber de que curso ela é.

Quando sentia-se satisfeita, devolvia os livros e ia embora.

Não falava com ninguém e ninguém falava com ela.

Nem eu, que fico observando de longe e imaginando se ela é mesmo de verdade.

Eu me voluntariei como auxiliar na biblioteca, já que ficar perto dos livros me obrigava a estudar (o que nunca foi meu forte, confesso), e assim manter a bolsa que ganhei. Porém, desde que eu a vi pela primeira vez, não lembro direito quando foi, minha rotina se tornou ir para a biblioteca e continuar olhando-a, de longe.

Só que ficar olhando de longe não me satisfaz mais, então eu decidi falar com ela. Afinal, o que poderia acontecer?

Então eu ensaiei falar com essa morena todos os dias da semana, mas ela não apareceu. Estava depositando todas as minhas esperanças na sexta-feira, que como sempre, não me decepcionou. No fim, foi até bom ela vir só na sexta, porque, se tudo der errado, eu terei o fim de semana todo para lamentar.

Ela chegou, escolheu os livros e sentou-se, na mesa de sempre.

E é exatamente onde ela está agora, toda linda, como todos os dias.

Respirei fundo, criei coragem, peguei meu carrinho de livros e coloquei alguns que precisavam voltar para as estantes (não coincidentemente) perto da mesa dela e fui. Ainda sem saber como começar uma conversa, me aproximei.

— Você vai dar uma festa? – Foi a brilhante frase que saiu da minha boca ao ver vários livros sobre salgados e bolos na mesa dela.

Ela levantou os olhos para mim e meu estômago gelou. Eu já havia percebido que seus olhos eram claros, os meus também são, mas os dela são surreais. Nunca tinha visto aquele tom de azul, tão suave, quase pálido, em lugar nenhum.

Ela é ainda mais linda de perto.

Tão linda que fiquei constrangido de estar tão desarrumado, com meu cabelo loiro costumeiramente bagunçado e meu uniforme de estudante de faculdade: calça cáqui e uma camisa com as mangas arregaçadas até os cotovelos. Padrão para quem não tem muito dinheiro. Só o que varia é a cor da camiseta: a minha era um laranja bem forte, porque adoro essa cor.

Esperei a resposta que não veio. Ela apenas continuou a me olhar, um tanto timidamente. E eu estava gostando demais desse simples ato. Por isso quase (eu disse quase) suspirei quando ela baixou a cabeça, corada.

— Uma festa até que cairia bem. Mas, eu me contentaria só com um bolo agora, como esse, da foto – Disse em minha segunda tentativa brilhante de fazê-la falar. Se bem que não era mentira, o bolo ilustrado no livro era realmente convidativo e estava me dando fome.

Quase não percebi, mas ela emitiu um pequeno sorriso.

Ótimo, não está tão ruim assim.

Ela me olhou mais uma vez, então aproveitei para passar a mão no cabelo. Aquela passada de mão também conhecida como "Oi. Eu sou loiro e tenho olhos azuis, prazer".

Pensando bem, acho que talvez eu seja mesmo muito idiota. Mas ela ainda não sabe disso, não é?

— Minha mãe diz que o segredo para preparar bolos é usar uma travessa aquecida. Não que eu saib, mal consigo preparar uma tigela de cereal – Sorrio, sem saber se estava sem graça diante da revelação ou por estar falando com a garota mais linda que eu já vi na minha vida.

E eu estava falando de bolos.

Enfim, eu realmente não sou muito bom na cozinha... Na verdade, eu sou mesmo muito ruim na cozinha. Não sei como comer tanto macarrão instantâneo não me matou ainda.

Coloquei as mãos nos bolsos da calça, meio envergonhado pela tentativa falha em socializar. Já que ela continuava só a me olhar, sem dizer nada. Mas, mesmo assim, sair dali sem nem saber ao menos o nome dela seria ainda mais ultrajante, então decidi me apresentar e em seguida deixá-la em paz.

— Alias, meu nome é Naruto — Falei enquanto estendia a mão e ela me dirigiu um olhar confuso. Todo mundo estranha um nome japonês em um branquelo loiro, então já expliquei — Puxei meu pai, que é estrangeiro.

Permaneci com a mão entendida esperando uma reação dela, que não veio. Sorri o meu melhor sorriso e fiz minha ultima tentativa:

— E você se chama...? — Dei a deixa e a observei suspirar baixinho e então suas mãos se levantaram e ela gesticulou alguma coisa no ar.

Ela ainda não tinha falado nada porque ela não fala.

Gênio.

Grande percepção a minha.

— Ah, puxa. Você estava lendo meus lábios esse tempo todo? — Perguntei preocupado. Ela apenas balançou a cabeça em sinal de não.

— Então, você ouve?

Sinal afirmativo.

— Mas, não fala... Hum, tudo bem – Isso é incomum, mas não é nada demais. Senti-me aliviado em saber que no fim, eu não estava sendo ignorado.

E eu ainda quero falar com ela.

Então comecei a revirar meus bolsos atrás de uma caneta que logo apareceu.

— Achei. Não tenho papel, então você vai ter que escrever na minha mão, tudo bem? — Entreguei a caneca para ela e estendi a mão, me surpreendendo ao perceber que eu estava nervoso.

Observei atentamente a sua mão segurar a minha para apoiar a caneta e engoli seco.

Seu toque é tão suave... Esperei ansioso ela terminar.

— Hinata? — Eu sorri olhando para ela, que mais uma vez balançava a cabeça em sinal de "sim" — É um nome lindo. Prazer em conhecê-la, Hinata.

Ela sorriu timidamente, ainda mais corada. Preciso ver mais desse sorriso, então continuei falando.

— É muito legal você frequentar uma faculdade tradicional, apesar de usar língua de sinais. Me achava corajoso só por mudar de cidade — E era mesmo verdade. Ainda estava com problemas para me adaptar.

Ela sorriu e baixou o olhar. Ela acaba de se tornar ainda mais misteriosa para mim. Só que dessa vez, estava mais acessível do que nunca pensei estar.

— Então, hã... Se você um dia der uma festa e precisar de ajuda com o bolo, juro que posso ser disciplinado por tempo suficiente para não estragar tudo — Ela me olhou de uma forma confusa. — É sério!

Ela sorriu mais abertamente dessa vez e acenou novamente: sim.

Ah, isso com certeza é mais do que eu poderia esperar, nessas circunstancias. Pensando nisso, achei melhor encerrar a conversa antes de acabar com as minhas (possíveis) chances.

— Bom, vejo você por ai — Disse de uma maneira vaga, afinal ela não precisava saber que eu a observava, constantemente, na biblioteca.

Ela deu um aceno tímido e voltou para sua leitura e eu voltei para minha realidade de pobre mortal. Caminhando em direção a estante. Empurrando o carrinho com os livros que seriam devolvidos. E com um sorriso, que eu ainda não havia percebido, preenchendo todo meu rosto.

Talvez...

Mais do que PalavrasWhere stories live. Discover now