6. Flama

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“No fundo de um buraco ou de um poço, acontece descobrir-se as estrelas.”
– Aristóteles


Os últimos raios solares já haviam desaparecido no horizonte quando o navio ancorou próximo ao litoral de Lanzarote.

Callahan observou com certa apreensão enquanto Ana subia a escada para o convés superior. Ela trazia seus cabelos soltos e um lenço vermelho amarrado sobre a cabeça, enquanto seu rosto era adornado pelos mesmos brincos dourados com os quais ele havia a visto pela primeira vez, bem como o mesmo vestido de cores vivas.

Ele supôs que esta era a resposta sobre sua escolha, ela aparentava estar pronta para seguir seu próprio caminho. Mesmo assim, ele não fez nenhum comentário enquanto ela parava a sua frente.

— Imagino que não poderia participar dos negócios que todos têm a tratar esta noite. – ela começou em tom descontraído — Mas ainda assim, gostaria de poder sentir um pouco a terra firme, já que permanecerei neste navio por tempo indeterminado.

Vítor a encarou surpreso, mal reprimindo a tempo um sorriso que quis surgir em seu rosto sem sua permissão. Ela o fitou de volta, estreitando as sobrancelhas pela falta de uma resposta.

— Supondo que sua proposta ainda está de pé.

— É claro. – ele respondeu, finalmente se recompondo — Não serão os negócios que imagina, na realidade. A maioria dos homens apenas visitará a vila mais próxima em busca de alguma diversão.

Ana sorriu, compreendendo bem o significado real daquela frase. Se ele notou sua expressão, não mencionou ao continuar.

— Enquanto outros permanecerão próximo a baía. Poderia se juntar a nós para uma bebida e um pouco de música.

— Parece bom para mim... Capitão.

Acrescentou a última palavra em tom zombeteiro e dessa vez ele não tentou conter o sorriso que se formou em seus lábios, ao mesmo tempo que ela se afastou em direção aos botes, sem lhe dar mais atenção.

Desembarcaram então, e durante horas   se perderam entre bebidas, músicas e muitas histórias. A maioria delas nitidamente inventadas.

Ana sorria ao ouvir inúmeros relatos detalhados sobre encontros com sereias e feras marinhas gigantes, contados por alguns tripulantes mais criativos, enquanto Vítor os encarava com nítida descrença no olhar, mas também ria.

Quando temperatura da noite começou a cair, foi acesa uma fogueira e alí mesmo fizeram uma breve refeição.

— E você, capitão, não tem nenhuma história para compartilhar hoje? – Ana falou em determinado momento, atraindo a atenção de alguns homens para si, incluindo Callahan que estava sentado a sua frente, do outro lado do fogo.

— Pergunto o mesmo a você. – ele respondeu apenas.

— Uma história por outra? – ela propôs em referência a fala de Vítor de alguns dias atrás, erguendo a bebida que segurava como um brinde silencioso.

Ele sorriu e imitou sua ação com a própria garrafa, então os dois se revezaram em suas narrativas. Ele a contou sobre saques e fugas as quais ela nunca o imaginaria executando, e ela ria involuntariamente de todas as vezes em que ele executou mal algum ato imprudente e escapou por um triz de ser apanhado.

Vítor demonstrava enorme preferência em escolher nobres senhores como seus alvos. E parecia divertir-se em saber o quão odiado por eles havia se tornado. Ela não poderia dizer que discordava de seus métodos, afinal conhecia o suficiente daquelas pessoas para saber como se importavam apenas com o acúmulo de riquezas, além de flexionarem as leis de modo a favorecer seus próprios interesses.

𝑰𝒏𝒗𝒊𝒄𝒕𝒖𝒔Onde histórias criam vida. Descubra agora