Hiraeth [l.s]

Parte I

— Eu não pedi ajuda. — Foi a primeira coisa que Louis ouviu pela manhã.

Assim que acordou viu o tritão caído no chão próximo a mesa e se abaixou para ajudar. Foi recebido com aquela resposta e um olhar mortal, contrariando o gesto que, para Louis, seria gentil.

— Coloque o braço no meu pescoço. — Tentou novamente, mais imponente que nunca. O humor matinal de um marujo geralmente não era o melhor de todos, a paciência surgia apenas com a noite e o ar fresco que vinha do mar.

Harry estava irritado por não conseguir se virar sozinho, era humilhante. Só que realmente precisava ir ao banheiro para ter privacidade e poder lidar com as novas partes de seu corpo, então laçou o pescoço do marujo com um suspiro derrotado.

O de olhos azuis se arrepiou com a pele de Harry fazendo contato com sua nuca, era surreal e aterrorizador ter aquela espécie tão próxima de si. Sua guarda estava sempre levantada, ciente de cada milímetro da extensão daquele toque, a temperatura do outro era levemente mais baixa que a sua.

Foi lembrado disso pelos lugares em que suas peles tocaram na ida e volta ao banheiro, momento que a irmã de Louis adentrou a casa. E, naturalmente, a primeira coisa que a menina observou foi o homem desconhecido no colo de seu irmão.

O marujo não foi rápido para pensar em uma justificativa logo no início. E o tritão estava extremamente surpreso pela nova presença, então a primeira frase dita fora por parte da elegante menina.

— Calissa. — Apresentou-se segurando as pontas do vestido.

Harry se encantou com as cores que a irmã de Louis vestia, mas manteve o pensamento somente para si. O tecido era idêntico a areia e em alguns detalhes era como o oceano durante o dia. Se o marujo estivesse observando, veria seu olho brilhar.

— Harry. — Ele se apresentou em troca. A gentileza e encanto em sua voz pareciam de outro mundo aos ouvidos de Louis, a quem só havia direcionado aspereza e hostilidade em seu tom.

Alguns segundos de constrangimentos seguiram, com a garota parada em frente a porta e Louis segurando o homem em seus braços, sem saber como agir. Nunca havia trazido uma alma sequer a sua casa, nem mesmo algum companheiro da antiga tripulação.

Quando finalmente se moveu em direção a cama, devolvendo a Harry sua individualidade, resolveu falar. — É um amigo. Ele está machucado.

Os olhos verdes observavam tudo com atenção, isso inclui desde a concha sendo usada como acessório no cabelo delicado da cópia materializada de Louis até a forma como tentava ser mais educada do que curiosa.

— Não temos como cuidar de mais uma boca, Louis. — Ela sussurrou. Gostaria de falar sobre o assunto em particular, mas a minúscula casa não iria permitir isso.

Calissa tinha aprendido a ser racional e consciente devido a falta de figuras responsáveis em seu crescimento, então mesmo que a menina fosse mais jovem que Louis, não era alheia aos seus arredores. Não importava o quanto seu irmão tentasse esconder os problemas para lhe fazer bem, ela ainda assim percebia como ele ficava feliz quando ela fazia suas refeições na bondosa vizinha.

Atenta como era, rapidamente entendeu que seu irmão tinha uma resposta e não pretendia explicá-la. Percebeu pela forma que o homem arrumava as mangas da camisa repetidamente, como forma de distração.

— Vim contar sobre o festival. E pegar um vestido para que eu possa ir. — Calissa aceitou sua derrota e cortou o clima, suspirando.

Há tempos não precisava da permissão do irmão para ir para os lugares, e os dois sabiam disso, ficando claro que queria informá-lo por outro motivo.