Capítulo 4

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O estranho virou-se ao mesmo tempo em que sacava a arma. 

A expressão em seus olhos gradativamente transformou-se de alerta em irônica aprovação, o que fez com que Tess se lembrasse de que estava nua, voltando a refugiar-se no banheiro.

Algum tempo depois houve uma batida na porta.

—  Está planejando passar a noite aí dentro, doçura? — perguntou uma voz grave e profunda, com uma ponta de ironia.

Tess não respondeu e ele tornou, mais irônico.

—  Não há nada aí que eu já não tenha visto, mas se sentir melhor, posso tentar passar a toalha por baixo da porta.

As palavras e o tom de voz indicavam que não se tratava de um assaltante, um maníaco, tampouco devia ser alguém que a agência enviara para cuidar da limpeza. Ou alguém do passado. O sentimento inicial de pânico foi substituído pela indignação. 

Tess abriu a porta do banheiro, apanhou a toalha que o estranho segurava e bateu com a porta. Ouviu uma risada baixa e zombeteira e sentiu o sangue ferver. Enxugou-se tensamente e enrolou a toalha em volta do corpo, prendendo-a firmemente acima dos seios. Reunindo toda a dignidade e altivez de que era capaz, ela saiu do banheiro.

O estranho estava sentado numa poltrona, de onde removera algumas peças de roupas; com as pernas cruzadas, o queixo apoiado numa das mãos. A arma desaparecera de vista.

Tess parou na porta, a fim de refugiar-se no banheiro ao menor sinal de ameaça.

—  Como entrou aqui?

Havia um porteiro lá embaixo, no saguão, que não permitiria que um estranho subisse, sem antes anunciá-lo. Em tese funcionava assim.

—  A questão é: o que você faz aqui? 

Ela não estava certa quanto a mencionar a GE. Achou melhor não fazê-lo até descobrir quem ele era.

—  Tenho permissão para estar aqui.

Ele arqueou uma sobrancelha.

—  A GE a recrutou? — Havia desdém em sua voz.

Tess esforçou-se para permanecer impassível.

—  Já sabe quem eu sou, é a sua vez de se identificar — disse friamente.

O estranho levantou-se da poltrona. Era muito alto. Seu olhar era firme e penetrante.

—  Agente Jake Kyle.

Tess já ouvira falar dele.

—  Tess Stuart. Agora que acabaram as apresentações, será que eu posso me vestir?

Os olhos penetrantes pairaram sobre a toalha, insolentes. Ele dirigiu-se então para a porta, parou no vão e voltou-se.

—  Não será uma boa agente, se não aprender a se organizar — Em seguida saiu, deixando a porta aberta.

Tess controlou o impulso de ir até a porta e batê-la. Em vez disso, atirou a toalha longe e começou a vestir-se. Passou a hora seguinte tentando impor alguma ordem ao caos, apenas para provar a si mesma que era capaz de se organizar. Em seguida dirigiu-se para a cozinha.

Jake Kyle estava de pé ali, encostado no balcão no centro, tomando uma taça de vinho. Havia tirado o paletó e arregaçado as mangas da camisa; se usava um coldre, também o tirara. Uma garrafa estava aberta sobre o balcão, que estava posto. Só então Tess se deu conta do aroma de temperos que impregnava a cozinha. Não havia sinal do sanduíche de espinafre que ela comprara para o jantar.

—  Que houve com o meu jantar?

Com a taça na mão, ele indicou a lixeira. Jake Kyle fez outro gesto, indicando o balcão atrás de si.

—  Há comida para nós dois.

Ela hesitou. Primeiro aquele homem apontava-lhe uma arma, em seguida zombava dela, tratava-a com desdém, a censurava, jogava seu jantar no lixo e, como se não bastasse, esperava que ela jantasse em sua companhia.

Tess estava determinada a não apreciar o jantar, apesar do vinho e da comida. Descobriu que Jake Kyle não era um homem de muitas palavras, o que era bom. Não se julgava capaz de manter um diálogo ameno com aquele homem. De certa forma o silêncio dele contribuía para aumentar o mistério acerca de sua aparição inesperada. Ao dar-se conta, ela o estava estudando disfarçadamente.

De perto ele irradiava magnetismo, força, vibração. Não era um homem comum, a maioria das mulheres devia achá-lo bem atraente. Tinha cabelos castanhos desbotados pelo sol há muitos anos, como se tivesse passado parte da vida ao ar livre. A tez era surpreendentemente clara. Tinha um rosto marcante, com feições perfeitas, olhos verdes como esmeraldas, uma boca pronunciada e bem feita.

No instante em que ela deu por encerrada a avaliação, ele levantou os olhos, um leve brilho provocante, como se soubesse que jamais seria reprovado. Aquilo irritou-a mais do que era razoável.

—  Não devia você ter um lugar aonde ir? — perguntou secamente.

Precisava esclarecer a questão o quanto antes. O apartamento pertencia à GE; tanto ela quanto ele tinham o direito de estar ali. Mas como fora o diretor quem a mandara para lá, ele que procurasse outro lugar.

—  Minha casa foi atingida por um furacão, enquanto estive fora.

Ele devia ter estado um bocado de tempo fora. O último furacão, pelo que Tess se lembrava, passara... quando? Em outubro?

—  Presumo que tenha onde passar a noite.

Ele fitou-a por um momento, antes de responder:

—  Eu tenho.

Quando terminaram de jantar, Tess tirou os pratos. Fora um dia longo e tudo o que ela queria era ir para a cama, mas a imagem daquele homem parado na porta do quarto, censurando-a, voltou-lhe à mente, impelindo-a a lavar os pratos. Jake Kyle continuou sentado terminando a garrafa de vinho. Tess podia senti-lo observando-a. Podia apostar que seus olhos estavam cheios de desdém, mas, ao se voltar, encontrou-o com o olhar distante, pensativo.

—  Obrigada pelo jantar. Acho que podemos dizer boa noite.

Ele levantou-se. Tess o seguiu pelo corredor. Em vez de se dirigir para o vestíbulo, ele entrou na sala de estar do apartamento, abriu a mala e tirou uma toalha, jogando-a sobre os ombros.

—  Prometo que farei o mínimo de barulho — disse, encaminhando-se para o banheiro no corredor.

Tess foi atrás, incrédula.

—  Você disse que tinha onde passar a noite.

—  E tenho.

—  Não pode ficar aqui.

Ele parou na porta do banheiro.

—  Quem disse que eu não posso?

—  A agência mandou-me para cá. Enquanto...

Ele lhe deu as costas e entrou no banheiro. Tess entrou atrás.

—  Enquanto eu tiver permissão, tenho o direito de me recusar a dividir o mesmo teto com um estranho.

Ele começou a se despir.

Tess virou-se bruscamente e saiu.

Quando ele saiu do banho, alguns minutos depois, usando apenas a toalha em volta da cintura, ela estava de pé no meio da sala, os braços cruzados. Evitou cuidadosamente olhar para qualquer região abaixo do pescoço e focou sua atenção e raiva no rosto dele.

Ele parou a um passo dela, no semblante um sinal de que esgotara a paciência.

—  É simples assim, ou eu durmo no sofá, ou durmo na cama. Você decide, doçura.

Sem uma palavra, ela virou-se e deixou a sala.

Sombras do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora