O estranho virou-se ao mesmo tempo em que sacava a arma.
A expressão em seus olhos gradativamente transformou-se de alerta em irônica aprovação, o que fez com que Tess se lembrasse de que estava nua, voltando a refugiar-se no banheiro.
Algum tempo depois houve uma batida na porta.
— Está planejando passar a noite aí dentro, doçura? — perguntou uma voz grave e profunda, com uma ponta de ironia.
Tess não respondeu e ele tornou, mais irônico.
— Não há nada aí que eu já não tenha visto, mas se sentir melhor, posso tentar passar a toalha por baixo da porta.
As palavras e o tom de voz indicavam que não se tratava de um assaltante, um maníaco, tampouco devia ser alguém que a agência enviara para cuidar da limpeza. Ou alguém do passado. O sentimento inicial de pânico foi substituído pela indignação.
Tess abriu a porta do banheiro, apanhou a toalha que o estranho segurava e bateu com a porta. Ouviu uma risada baixa e zombeteira e sentiu o sangue ferver. Enxugou-se tensamente e enrolou a toalha em volta do corpo, prendendo-a firmemente acima dos seios. Reunindo toda a dignidade e altivez de que era capaz, ela saiu do banheiro.
O estranho estava sentado numa poltrona, de onde removera algumas peças de roupas; com as pernas cruzadas, o queixo apoiado numa das mãos. A arma desaparecera de vista.
Tess parou na porta, a fim de refugiar-se no banheiro ao menor sinal de ameaça.
— Como entrou aqui?
Havia um porteiro lá embaixo, no saguão, que não permitiria que um estranho subisse, sem antes anunciá-lo. Em tese funcionava assim.
— A questão é: o que você faz aqui?
Ela não estava certa quanto a mencionar a GE. Achou melhor não fazê-lo até descobrir quem ele era.
— Tenho permissão para estar aqui.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— A GE a recrutou? — Havia desdém em sua voz.
Tess esforçou-se para permanecer impassível.
— Já sabe quem eu sou, é a sua vez de se identificar — disse friamente.
O estranho levantou-se da poltrona. Era muito alto. Seu olhar era firme e penetrante.
— Agente Jake Kyle.
Tess já ouvira falar dele.
— Tess Stuart. Agora que acabaram as apresentações, será que eu posso me vestir?
Os olhos penetrantes pairaram sobre a toalha, insolentes. Ele dirigiu-se então para a porta, parou no vão e voltou-se.
— Não será uma boa agente, se não aprender a se organizar — Em seguida saiu, deixando a porta aberta.
Tess controlou o impulso de ir até a porta e batê-la. Em vez disso, atirou a toalha longe e começou a vestir-se. Passou a hora seguinte tentando impor alguma ordem ao caos, apenas para provar a si mesma que era capaz de se organizar. Em seguida dirigiu-se para a cozinha.
Jake Kyle estava de pé ali, encostado no balcão no centro, tomando uma taça de vinho. Havia tirado o paletó e arregaçado as mangas da camisa; se usava um coldre, também o tirara. Uma garrafa estava aberta sobre o balcão, que estava posto. Só então Tess se deu conta do aroma de temperos que impregnava a cozinha. Não havia sinal do sanduíche de espinafre que ela comprara para o jantar.
— Que houve com o meu jantar?
Com a taça na mão, ele indicou a lixeira. Jake Kyle fez outro gesto, indicando o balcão atrás de si.
— Há comida para nós dois.
Ela hesitou. Primeiro aquele homem apontava-lhe uma arma, em seguida zombava dela, tratava-a com desdém, a censurava, jogava seu jantar no lixo e, como se não bastasse, esperava que ela jantasse em sua companhia.
Tess estava determinada a não apreciar o jantar, apesar do vinho e da comida. Descobriu que Jake Kyle não era um homem de muitas palavras, o que era bom. Não se julgava capaz de manter um diálogo ameno com aquele homem. De certa forma o silêncio dele contribuía para aumentar o mistério acerca de sua aparição inesperada. Ao dar-se conta, ela o estava estudando disfarçadamente.
De perto ele irradiava magnetismo, força, vibração. Não era um homem comum, a maioria das mulheres devia achá-lo bem atraente. Tinha cabelos castanhos desbotados pelo sol há muitos anos, como se tivesse passado parte da vida ao ar livre. A tez era surpreendentemente clara. Tinha um rosto marcante, com feições perfeitas, olhos verdes como esmeraldas, uma boca pronunciada e bem feita.
No instante em que ela deu por encerrada a avaliação, ele levantou os olhos, um leve brilho provocante, como se soubesse que jamais seria reprovado. Aquilo irritou-a mais do que era razoável.
— Não devia você ter um lugar aonde ir? — perguntou secamente.
Precisava esclarecer a questão o quanto antes. O apartamento pertencia à GE; tanto ela quanto ele tinham o direito de estar ali. Mas como fora o diretor quem a mandara para lá, ele que procurasse outro lugar.
— Minha casa foi atingida por um furacão, enquanto estive fora.
Ele devia ter estado um bocado de tempo fora. O último furacão, pelo que Tess se lembrava, passara... quando? Em outubro?
— Presumo que tenha onde passar a noite.
Ele fitou-a por um momento, antes de responder:
— Eu tenho.
Quando terminaram de jantar, Tess tirou os pratos. Fora um dia longo e tudo o que ela queria era ir para a cama, mas a imagem daquele homem parado na porta do quarto, censurando-a, voltou-lhe à mente, impelindo-a a lavar os pratos. Jake Kyle continuou sentado terminando a garrafa de vinho. Tess podia senti-lo observando-a. Podia apostar que seus olhos estavam cheios de desdém, mas, ao se voltar, encontrou-o com o olhar distante, pensativo.
— Obrigada pelo jantar. Acho que podemos dizer boa noite.
Ele levantou-se. Tess o seguiu pelo corredor. Em vez de se dirigir para o vestíbulo, ele entrou na sala de estar do apartamento, abriu a mala e tirou uma toalha, jogando-a sobre os ombros.
— Prometo que farei o mínimo de barulho — disse, encaminhando-se para o banheiro no corredor.
Tess foi atrás, incrédula.
— Você disse que tinha onde passar a noite.
— E tenho.
— Não pode ficar aqui.
Ele parou na porta do banheiro.
— Quem disse que eu não posso?
— A agência mandou-me para cá. Enquanto...
Ele lhe deu as costas e entrou no banheiro. Tess entrou atrás.
— Enquanto eu tiver permissão, tenho o direito de me recusar a dividir o mesmo teto com um estranho.
Ele começou a se despir.
Tess virou-se bruscamente e saiu.
Quando ele saiu do banho, alguns minutos depois, usando apenas a toalha em volta da cintura, ela estava de pé no meio da sala, os braços cruzados. Evitou cuidadosamente olhar para qualquer região abaixo do pescoço e focou sua atenção e raiva no rosto dele.
Ele parou a um passo dela, no semblante um sinal de que esgotara a paciência.
— É simples assim, ou eu durmo no sofá, ou durmo na cama. Você decide, doçura.
Sem uma palavra, ela virou-se e deixou a sala.
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Sombras do Passado
Mistério / Suspense🏆Vencedor do Wattys 2022🏆 Uma inglesa de família tradicional que se casa com o herdeiro de um império bilionário. Depois que seu marido é encontrado morto, ela desaparece. É encontrada dois anos depois na cidade de Nova York por uma agência de int...