Capítulo 13

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Tess estava absorvida estudando a tela do computador, na sala de armazenamento de dados, às nove horas da noite; não percebeu o vulto encostado na porta, observando-a.

—  Pensei que todos já tivessem ido embora.

Ela levantou a cabeça. Liam entrou na sala. Estava sem o paletó, a gravata desfeita pendurada no pescoço.

—  Parece que sou o único que restou para levá-la para jantar.

Ela recostou-se na cadeira.

—  Terei sorte se estiver livre no café da manhã. Tenho de terminar isto. Estou colhendo dados para a próxima missão.

—  Sou bom em colher dados. Vamos fazer o seguinte, eu a ajudo com o cérebro de aço aqui e você janta comigo.

Ela sorriu.

—  É tentador, mas não posso aceitar.

—  Vamos lá, Tess. Você precisa jantar e eu conheço um lugar ótimo perto da baía onde servem os melhores frutos do mar.

—  Ela já disse que não pode.

Ambos se viraram na direção da voz. Jake estava parado na porta.

Liam contraiu o músculo da mandíbula.

—  Ela vai aceitar. E sabe sobre que iremos falar, enquanto jantamos? Vamos falar sobre você, de seu casamento com uma assas...

O golpe que o atingiu empurrou Liam contra a mesa. No instante seguinte Jake estava sobre ele, desferindo-lhe golpes com uma violência assustadora. Liam apenas tentava defender-se. Por uma fração de segundo conseguiu afastá-lo, quando Jake levantava o punho para desferir o próximo golpe, apontou-lhe a arma.

Tudo acabou em questão de segundos, embora parecesse ter levado uma eternidade. Estavam ambos ofegantes. Tess ainda não se tinha refeito do choque.

—  A próxima vez que apontar uma arma — disse Jake, recuperando o controle. — É melhor atirar.

Ele foi embora. Em nenhum momento olhou para Tess.

Liam sentou-se na mesa, com a arma na mão. Permaneceu calado durante um longo tempo, tentando recobrar o controle. Tess aplicou-lhe compressas frias nos cortes. Seu olho direito estava começando a inchar, os lábios e o queixo estavam cortados. Acabou jantando com ele perto da baía e comeram frutos do mar. Falaram sobre Jake.

—  O velho Jake está começando a perder o controle, é o que acontece com a maioria dos veteranos.

—  Você o provocou — lembrou Tess.

—  Falei a verdade.

—  O que me faz lembrar porque está com esse tapa-olho.

Liam fez uma careta. Seu olho direito estava quase fechado, com uma mancha escura em volta. Ele relutava em falar sobre o assunto. Depois de um longo silêncio, começou a falar:

—  Há alguns anos eu e o Jake trabalhamos num caso. Era o meu primeiro caso, mas não importa. O cliente era uma mulher. Ela era... deslumbrante — Enquanto falava Liam evitou os olhos dela, distraído com o copo de vinho. — Queria que encontrássemos seu marido. Nós seguimos, ou pelo menos eu segui as pistas que ela nos forneceu, mas parecia que o sujeito havia evaporado. Até que, um dia, descobri um endereço em Long Island. Afinal, eu havia encontrado o marido desaparecido. O tempo todo ele tinha estado na minha frente e eu não conseguia enxergar.

—  Jake?

Liam assentiu sombriamente.

—  Acho que o Jake não acreditava que eu fosse chegar até ele. Era um jogo entre os dois e eu fui o idiota que acabou envolvido pelo cliente, violando a primeira regra da GE. Quase nos matamos nesse dia. Não acreditei em uma palavra do que ele disse, mas depois ela confirmou tudo. Era muito jovem quando eles se casaram. Tinha vindo a Nova York para ser modelo. Um ano depois recebeu uma proposta de trabalho em Milão, quando descobriu que estava grávida. Ela tinha que escolher entre a carreira e o bebê.

—  Ela escolheu a carreira — murmurou Tess.

—  Quando voltou de Milão, 3 meses depois, as grandes agências estavam com as portas abertas, mas Jake havia desaparecido. Ela o procurou durante anos, quando finalmente o encontrou, elaborou o que julgou ser um plano para fazê-lo voltar. Apesar de tudo Jake a protegeu da agência. Não vou citar nomes, mas atualmente ela é um dos modelos mais requisitados. Se o seu segredo viesse à tona, teria a imagem arruinada. No fim ela acabou optando por continuar com a carreira. Não tornei a vê-la, exceto nas capas de revistas — Havia uma amargura em sua voz.

Tess pensou nas vidas afetadas. Uma decisão, tomada anos atrás, destruíra parcialmente três vidas e completamente uma. Os efeitos dessa decisão continuavam presentes, vibrando numa frequência quase imperceptível e, portanto, não podiam ser alterados. De certa forma lembrava-lhe sua própria história. Jonathan havia sistematicamente impedido o filho deles de nascer, ao optar pela vasectomia e esconder isso dela, tudo por um pacto de lealdade. Jake, assim como ela, tivera o seu filho impedido de nascer. Era o primeiro traço de vulnerabilidade. Ele parecia tão seguro, que era difícil acreditar que houvesse cicatrizes sob a armadura.

Depois, Liam falou de seu passado em Miami.

—  Éramos 8 pessoas vivendo em um apartamento minúsculo. Eu não me lembro de minha mãe sem que ela estivesse grávida. Meu pai era membro de uma seita que pregava a pobreza como virtude. Se ele me visse agora eu provavelmente estaria condenado ao inferno. Tive de ir embora porque simplesmente não havia mais espaço.

Liam omitiu as noites sem dormir por causa do choro dos bebês, o cheiro permanente de urina e fralda suja, a frustração e impotência de ter que assistir a mãe, jovem e linda, ser destruída ano após ano em consequência das gestações seguidas. Quando partira, deixando para trás 5 irmãos menores e a mãe desconsolada, grávida do sétimo filho, jurara que nunca mais seria vítima das circunstâncias.

—  Eu não sabia o que era solidão até chegar a Nova York. Voltar não era uma opção. Se o fizesse, privaria os outros de ter o suficiente à mesa.

Era um sentimento que Tess compreendia bem. Quando chegara a Nova York, sem família, amigos ou dinheiro, quando tivera de deixar de fazer as refeições à noite para ter o que comer no dia seguinte, pensara que não conseguiria sobreviver. Além da fome, frio e desespero, a solidão estivera sempre presente, indelével.

Liam contou-lhe histórias engraçadas de seus primeiros anos na polícia. Quando ele acabou, Tess estava enxugando os olhos. Há anos não ria tanto.

Terminaram a garrafa de vinho e Liam pediu outra. A conversa girou em torno dos casos que ele investigara. Em nenhum momento ele mencionou ou tentou fazê-la falar sobre seu caso. Liam nunca dera a entender que ela pudesse estar envolvida na morte de Jonathan.

A noite transcorria suavemente, como a brisa que soprava do rio. Ambos haviam esquecido o que os levara até lá. Até que, inesperadamente, Liam sugeriu:

—  Venha até ao meu apartamento.

Tess começou a recusar, mas então parou. Não podia continuar fugindo indefinidamente. Jonathan havia destruído algo vital dentro dela — o desejo de partilhar a intimidade — mas seu corpo, jovem e vigoroso, ressentia-se da submissão.

Liam era um homem atraente e encantador, não seria difícil se apaixonar.

❆ ❆ ❆

Ele ajudou-a a tirar o blazer. No instante seguinte ela estava sem a blusa de seda. As mãos hábeis abriram o soutien e lábios quentes desceram até os seios. O vinho e a boca experiente atearam fogo à imaginação, dissipando o último resquício de resistência. As mãos dele estavam em toda parte, gentis num momento e exigentes em outro. Era enlouquecedor. Um rastro com peças de roupas ficou pelo caminho, enquanto Liam a conduzia na penumbra até a cama, banhada pelo luar, sob uma clarabóia.

Antes que chegassem à cama, todas as luzes do apartamento se acenderam subitamente.


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