CAPÍTULO 1

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"Essa vida é uma merda."

Pensamentos nada animadores que fazem a cabeça do jovem ferver de irritação. Era o terceiro emprego que perdia esse ano, por causa da tentativa de estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Já estava atrasado de ano, mas faltava apenas dois meses pra terminar o ensino médio, por isso não queria desistir. Mas faculdade era um sonho impossível e inalcançável, então já estava quase desistindo da escola também.

Chegou em casa e encontrou a cadeira de rodas do pai encostada em um canto da sala, enquanto o velho roncava no sofá, com certeza vítima da garrafa de bebida que agora estava vazia e deitada na mesinha de centro. Pegou uma manta e jogou sobre o pai, pra evitar um resfriado e mais reclamações.

Já houve um tempo que ele quisera a aprovação do pai, seu carinho. Mas isso já passou. Hoje ele sabe que o máximo que vai conseguir é um olhar embaçado pela bebida e um pedido desavergonhado de dinheiro pra mais uma rodada na mesa.

Não que ele se ressinta por isso. Na verdade, é  a gratidão que o faz trabalhar, estudar, fazer bicos e tocar com a banda em qualquer oportunidade de ganhar uma grana extra, mesmo que pra isso ele durma menos de quatro horas por noite. Mas se não fosse por Zhai Jing, sua infância teria sido um inferno por muito mais tempo. Tendo ficado órfão aos dois anos, foi jogado de orfanato em orfanato, de família em família. Em alguns lugares, era agredido, em outros era maltratado. E em casos mais extremos, houve um em que foi torturado e mantido sem comida ou água porque deixou o portão aberto, e o cachorrinho da família fugiu. E outro que o "pai" aproveitou a ausência de outras pessoas e o obrigou a colocar a boca no "negócio" até quase sufocar.

Mas isso acabou aos sete anos, quando um Major respeitado entrou em sua vida. Quando foi adotado, ficou surpreso ao saber que não teria uma mãe, mas isso apenas acendeu ainda mais a admiração que tinha pelo oficial que o tratou com carinho.

Infelizmente, tudo o que é bom dura pouco, e aos quinze anos o pai sofreu um acidente que o deixou imobilizado da cintura pra baixo. Isso foi a destruição de um homem tão enérgico, tão inteligente e viciado na adrenalina. A partir de então, sua carência foi enganada nas mesas de jogo e na dormência causada pelo álcool. Scorpion deixou de ser o filho mimado pra se tornar o responsável pela casa. O salário que o pai recebia pela dispensa do exército era usado apenas para propósitos escusos, e a casa começou a ficar decadente e negligenciada. Quando completou dezoito anos, começou a trabalhar em qualquer emprego que aparecesse, apenas pra manter o pai alimentado e confortável. Nessa época um casal se mudou pra casa vizinha, e o nível de inveja atingiu a estratosfera. Tinham uma família perfeita que havia continuado perfeita.

Já tinha quase dois anos que eram vizinhos, e a inveja havia se transformado em admiração. Mesmo quando as broncas ultrapassavam a cerca florida e ele dava risada dos xingamentos que os vizinhos trocavam, enquanto permaneciam com a aparência de quem voltava de um passeio. Mais de uma vez ele ouviu o policial colocar o médico pra dormir no sofá, enquanto o outro gritava miseravelmente por piedade, e no fim terminava ouvindo os barulhos característicos da reconciliação. Até esse ponto, ele não sabia que um casal gay poderia ser tão apaixonado. Wen KeXin e Zhou ZiShu eram o exemplo de romance que queria pra si.

Pra deixar o jovem ainda mais confuso, descobriu recentemente que não conseguia "ficar duro" enquanto beijava uma garota, e os colegas da banda não davam paz e questionavam o tempo inteiro sobre sua sexualidade (havia cometido o erro de beijar Arhat, a baixista. E ela não foi discreta com os amigos sobre o "amigo que não levanta"). Mas ele realmente não sabia o motivo de não ter desejado ir em frente com a colega. Na verdade, pensava que tinha algo errado com a própria anatomia, pois não era muito sexual e sua libido era quase inexistente, chegando ao ponto de ficar até três meses sem sentir vontade de se masturbar.

O caos se instalou ainda mais profundamente quando sentou na varanda com uma cerveja, e viu a família ao lado recebendo a visita da filha que havia casado no ano passado, e agora chegava com um pequeno pacote embrulhado nos braços. Enquanto o marido pairava protetoramente atrás de ambos, apoiando a esposa e carregando as malas, a jovem Gu Xiang correu descuidada até o irmão e deu um abraço de lado, enquanto Cheng Ling admirava o bebê. Nessa hora, ouviu uma voz de dentro da casa deles, e todos saíram do seu campo de visão, o deixando deprimido na varanda fria.

Respirou fundo e foi pra cozinha. Hora e fazer o jantar, pois daqui a pouco teria que dar o remédio ao pai, e ir tocar em um barzinho que contratava a banda algumas vezes. Mesmo sendo uma mixaria, era o que ele realmente amava fazer, e estava disposto a tentar o seu melhor, apesar de saber que provavelmente nunca iria poder viver disso. Música era a melhor linguagem que ele conhecia. Aprendeu tocar sozinho, apenas vendo vídeos no YouTube. Começou com guitarra, depois bateria, teclado e chegou ao extremo de aprender Luiqin, uma espécie de pipa e parente distante do violão.

Mas de nada adiantaria, se não conseguisse terminar a escola e tentar um cursinho profissionalizante. Os amigos eram todos como ele: famílias desfeitas, situações complicadas e delicadas. Faziam o melhor que podiam pra se apoiar. A situação de nenhum deles era fácil, e Evil Bodhisattva tinha chegado ao ponto de se prostituir algumas vezes, pra conseguir viver. No começo do ano haviam perdido um amigo, que caiu nas drogas e perdeu a vontade de viver.

Ainda não haviam superado a perda de Qin Song, e agora ele estava pensando que desistir seria mais fácil. Estava tão cansado. Balançou a cabeça com força, expulsando os pensamentos. Não podia fazer nenhuma bobagem. O pai dependia totalmente dele.

Quando terminou de cozinhar e ajudar o pai a comer, estava em cima da hora pra o começo da apresentação. Engoliu um pouco de comida de pé ao lado do fogão, escovou os dentes, trocou a camiseta preta por outra camiseta preta, pegou a guitarra e saiu apressado, depois de conferir que o pai já dormia profundamente deitado no sofá.

A apresentação foi bem, os aplausos foram satisfatórios e o pagamento foi bem vindo. O problema foi depois que saíram. Um namorado ciumento chegou empurrando ele contra a parede de um beco, enquanto os socos desciam sobre seu rosto e seu estômago. Demorou a reagir, até que entendeu que estava sendo acusado de ter flertado com a namorada do cara, coisa que não tinha feito.

Depois de seis socos não merecidos, já estava bem puto. Deixou a caixa com a guitarra no chão e começou a revidar. Em pouco tempo, a situação estava invertida, e o agressor estava deitado no chão sem conseguir se levantar.

Passou a língua no lábio inferior, sentindo a ferida aberta e o gosto de sangue. Cuspiu no chão, pegou o instrumento e cambaleou um pouco até conseguir se estabilizar. Passava das quatro da madrugada, e em pouco mais de três horas teria que estar na sala de aula. Puxou o ar com fora, e voltou a se mover com esforço, até chegar em casa. Seria possível a vida facilitar um pouco pra ele? Já estava cansado dessa bagunça.

O "Monstro Velho" e o "Escorpião"Место, где живут истории. Откройте их для себя