Rota A

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Dizem que a Rota 77 é lendária. Jeongguk ouviu histórias sobre corridas surreais acontecendo naquelas vias de mão-dupla há décadas. Arquibancadas montadas no meio do mato e palha, carregando milhares de pessoas embriagadas e apaixonadas pela velocidade. As lendas dizem que as faixas brancas traziam sorte para quem estivesse de corpo e alma para oferecer seus sentimentos às voltas perigosas, com as placas comandando o destino, e os ventos de fogo incendiando a pele. Histórias de ninar de uma época perfeita demais para ser real. Rota 77, hoje, é apenas um caminho qualquer abandonado no meio de uma alegoria, uma cidade crescida no mito, com um histórico ilegal de rachas de carros rebaixados e pneus carecas.

Falando de uma forma mais simples, Jeongguk está cansado da Rota 77 e seu caminho devastadoramente longo e congelado. O motor da sua Harley-Davidson 883 está roncando e o tanque trabalhando em seus últimos minutos de vida. Não consegue encontrar a magia daquele asfalto cheio de buraco com a tinta amarela envelhecida que tanto disseram ter. Os ventos são os mesmos, secos e cobertos de fuligem e terra. Ardem os olhos. As tais faixas brancas não existem mais e todas as placas estão caídas e desoladas no chão. Sem arquibancadas e pessoas embriagadas apaixonadas pela velocidade.

A Rota 77 está vazia em toda a sua alma agitada e Jeongguk se sente entediado e com frio. As informações naquele mapa que roubou do La Point não serviram de nada e encontrar a rota foi a situação mais complicada que já embarcou em toda a sua vida, e aparentemente, sair dela também está se tornando um desafio irritante de desvendar.

Vouge. É o que Jeongguk está procurando — ou sempre esteve, é um pouco difícil dizer com a sua mente embaçada. Caminhar na própria adrenalina, algo do tipo. Uma pista de corrida lendária que coloca até mesmo uma vida em uma aposta, o cenário de guerra legítimo de um duelo invisível com Capital. Pelo menos, é isso que os rumores contam. Os bêbados do bar de La Point disseram que é muito mais que uma simples zona em formato de tourada, e Joe parecia muito encantado com cada mínimo detalhe de Vouge e da pessoa que a mantém em ordem, o Kim Taehyung.

O idiota de La Point afirmou que esse tal Kim Taehyung pode oferecer moradia e segurança para todos que trabalham para a Vouge. E isso interessa a Jeongguk mais do que a corrida pela vitória, precisa cumprir uma promessa, e ter um pouco de comodismo na matéria de sobrevivência, e por não ter onde morar e ser excelente montando em uma máquina, juntou o útil ao (não) agradável e se aventurou na Rota 77, à procura de um desconhecido.

Seu irmão poderia aprovar se ainda estivesse lúcido.

Para chegar na Vouge é preciso correr ao lado da Rota 77 e Jeongguk já está tonto de tanto dirigir em linha reta após comer um pão duro com um copo de cerveja velha e quente. E embora objetivos firmam troféus, seus sentidos estão entorpecidos o suficiente para começar imaginar coisas impossíveis. Até mesmo uma espécie de plataforma de metal vermelha cruzando toda a avenida, fincada no chão de terra. Uma ponte improvisada bamba e potencialmente perigosa com cabos de eletricidade conectados em cada um dos vãos das barras retangulares. É uma coisa horrenda.

Gukie, calma.

É a voz do seu irmão; o velho chato e paranoico de sempre berrando bem no fundo da sua consciência. Jeongguk tropeça no pedal direito do freio e as pontas das suas botas se chocam com o pneu dianteiro. A plataforma da Rota 77 está o encarando como uma entidade viva, grandiosa, e feia, esperando que ele e a sua Harley-Davidson 883 cruzem suas enormes pernas de metal.

Pistas só são seguras quando você confia nelas. Não perca o controle, nunca perca o controle. Um motor só funciona quando boas mãos o comandam.

Jeongguk revira os olhos, seu irmão sempre foi virado a dizer frases de efeito sem sentido enquanto ainda estava em juízo perfeito — e vivo —, que nunca fizeram um pingo de sentido, e sempre martelavam em sua mente, como avisos. E agora não foi diferente. A plataforma parece dançar no vento frio, Jeongguk não sabe se é uma fantasia ou a cevada gosmenta da cerveja quente fazendo seu efeito em um organismo vazio. Um ronco alto de motor é o que faz despertar.

VougeWhere stories live. Discover now