004 - Sabor de beijo

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O teto branco era entediante e a mancha em formato de nuvem já não era mais tão interessante e criativa assim

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O teto branco era entediante e a mancha em formato de nuvem já não era mais tão interessante e criativa assim. A mesma coisa com o sino dos ventos. O som era mais incômodo do que relaxante. Os ouvidos da garota já não suportavam mais aquele barulho agudo e delicado.

Estava deitada feito uma estrela do mar na própria cama, encarando o teto e olhando o nada. Apenas existindo sem fazer nada de diferente.

...VOCÊ É UM MERDA — o grito da mãe veio do lado de fora do quarto, mas a briga não era interessante.

Kaori se sentou na cama e se espreguiçou inteira. Agarrou a pelúcia de coelho, um bicho rosa com orelhas enormes e caídas. Ele tinha um corpinho delgado e uma grande cabeça fofa, com dois grandes botões azuis costurados como olhos. A garota amava abraçá-lo e esfregá-lo no rosto.

VAI SE FODER, ACHA QUE EU NÃO VI VOCÊ DANDO MOLE PRO VIZINHO? — agora era o pai quem gritava, mas Kaori ainda não estava interessada.

Focou os olhos na parede do próprio quarto, vendo o papel estampado descascar em alguns pontos. A cor bege já estava um tanto encardida e os pequenos desenhos floridos começavam a sumir.

A mesma coisa era com o tapete felpudo que já não tinha mais tantos pelinhos assim, e os que restavam já não eram tão macios. Kaori esfregou os pés nus no tapete, sentando-se na beiradinha da cama. Gostava da sensação que aquele item passava, mesmo que já tivesse se passado muito tempo e ele já não fizesse mais cócegas como fazia antes.

VAI COMER SUAS PUTAS, SEU MERDA — novamente a mãe gritou, e novamente a garota ignorou.

Ficou de pé e atravessou o pequeno quarto, indo até o armário de roupas, tentando escolher um vestido novo para o coelho. Ela tinha onze anos, algumas garotas da idade dela achavam ridículo que andasse para cima e para baixo com aquela pelúcia orelhuda e encardida, mas Kaori não se importava. Se as garotas lhe irritassem demais, bastava ela chorar um pouquinho e o irmão aparecia para protegê-la.

Não que ela não fosse capaz de proteger-se sozinha.

Suspirou e escolheu o vestido vermelho com botões brancos, trocando a roupa do brinquedo enquanto a briga do lado de fora do quarto continuava.

Sempre que algo ruim acontecia, ela focava toda sua atenção em todos os detalhes físicos do ambiente, tentando não pensar no mal ou nos gritos do exterior. Ela só sabia observar as prateleiras brancas e vazias, as cômodas brancas já cheias de marcas de uso, com a tinta descascada nas quinas e nos puxadores, e as cortinas amarelas que voavam com o vento, fazendo o som irritante do sino dos ventos ressoar sem parar.

Incomodada com aquele detalhe absurdo, Kaori largou o coelho e foi até a janela, pegando a coisinha perturbadora e arrancando de uma vez só.

— Quietinho — ela sussurrou para o objeto, encarando-o, feliz por ter acabado com o sonzinho irritante.

SANTOWhere stories live. Discover now