Onze

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Ariana

Era o dia do jantar na casa de Dr. Ernesto, para comemorar o aniversário de Cecília. Seguindo as recomendações de Dona Regina, os pratos escolhidos foram buchada de bode, sarapatel, chambaril e cozido, com arroz, farinha de mandioca, vinagrete e salada. A sobremesa ficou por conta do bolo de aniversário que Carolina, cozinheira dos Queirozes, confeitou.

Havia cerca de trinta convidados no jantar, contando as crianças. Cecília estava radiante, usando um vestido de seda violeta, os cachos louros alisados, os olhos azuis exprimindo o prazer por estar atingindo a maioridade. Era fisicamente muito parecida com Dona Regina, que era uma galega muito bonita e aprumada. 

Os Castros Oliveira eram um dos convidados de destaque, além de algumas famílias que frequentavam mais assiduamente o Riviera e amigos íntimos da família Queiroz. 

E Heitor. Não pensei que ele viria, mas descobri quando ele apareceu na cozinha. Eu não o via desde aquela noite em que ele me viu com Vinícius.

—  Vim atrás do cheiro da sua comida — disse ele, lançando um olhar na direção de Carolina. — Não que o seu cheiro não seja bom.

Carolina se derreteu.

—  Espere só até provar um pedaço do meu bolo, seu Heitor.

—  Deve estar doce como as suas mãos. — Com isso Heitor foi admitido na cozinha sem restrições. Ele aproximou-se. — Quer dar uma volta?

Olhei-o em meio ao vapor que subia da panela, surpresa.

—  Pode não parecer, mas eu estou trabalhando. 

—  Eu espero até cortarem o bolo.

—  Ainda tenho que ajudar Carolina a limpar a cozinha.

—  Isso é um não?

Tirei mais uma vez os olhos da panela. Que hora ele tinha escolhido para me colocar contra a parede. Depois de um breve silêncio, Heitor murmurou:

—  Já entendi. — Virou-se e saiu.

Ouvi nitidamente Carolina retrucar um "abestalhada". Respirei fundo, desligando o fogo.  Atirei o pano de prato na pia e saí pela porta dos fundos, atrás de um pouco de ar fresco.

—  Noite difícil?

Aquela voz, com notas semelhantes a de Heitor, mas ao mesmo tempo diferente, vindo das sombras. Virei na direção da voz e Vinícius surgiu na lateral da casa. Estava elegante, todo de preto. Também não o via, desde aquela noite. 

—  Sempre é, quando se tem que agradar as pessoas.

—  A mim garanto que agradou.

Ele me puxou, me encostando contra a parede. Acariciou o meu rosto, traçando os lábios com o polegar. Não resisti, fechei os olhos, ansiando pelo beijo. Desta vez foi mais intenso, mais exigente; suas mãos deslizaram por meus braços me arrepiando e prenderam a minha cintura, me puxando contra o seu corpo.

Não sei qual de nós ouviu primeiro, mas interrompemos o beijo, quando um ruído nos atingiu. Virei o rosto, encontrando Carolina de pé na área dos fundos, iluminada pela luz que saía pela porta da cozinha, nos olhando. Vinícius continuou com o rosto nas sombras, a respiração meio forçada.

—  Dona Regina mandou preparar mais vinagrete — disse Carolina, girando nos calcanhares e voltando para dentro.

Senti Vinícius sorrir contra o topo da minha cabeça, um sorriso tenso.

—  Qual é o problema dela?

—  Ela me acha uma abestalhada.

—  Posso saber por quê?

—  Recusei sair com Heitor.

Ele levantou o meu rosto.

—  Quando?

—  Antes de você roubar esse beijo.

Viramos ao mesmo tempo para olhar as sombras, de onde vinha a voz de Heitor. Vinícius se afastou.   

—  Não dá para fazer nada sem ter uma platéia? — Murmurou, a voz tensa.

—  Eu estava aqui primeiro — retrucou Heitor. — Tive que tomar um ar depois do fora que levei.

—  Não foi um fora, eu disse apenas que estava trabalhando.

—  Mas o trabalho não lhe impediu de beijar o meu irmão.

Não respondi. Eu precisava entrar mas não podia deixar os dois ali começando uma discussão. Peguei Vinícius pela mão e entrei na cozinha, encontrando Carolina na porta, pronta para me repreender na frente dos outros ajudantes, mas engolindo tudo a seco, ao ver Vinícius entrar comigo. Ofereci-lhe uma cadeira e fui preparar mais vinagrete.

Ele permaneceu na cozinha até Cecília aparecer para chamá-lo. Depois que ele saiu acompanhado da dona da casa, Carolina voltou-se para mim com um sorrisinho:

—  Quis os dois e ficou sem nenhum. 

Mostrei dois dedos para Carolina, que os olhou aturdida. Abaixei o indicador e ela entendeu.

Mais tarde, depois que o bolo foi cortado, Vinícius voltou à cozinha para avisar que estava de saída:

—  Vou ter que ir agora, mas vou lhe esperar no bar de seu Moura. — Olhou nos meus olhos, sondando, antes de sair. 

Um dos ajudantes, que trabalhava comigo no Riviera, suspirou:

—  Prefiro o outro, com cara de safado, mas se esse me olhasse desse jeito, eu morria. — Olhou para Carolina, que olhava para nós com o beiço torcido. — Depois ela lhe conta como é ficar com um dos dois. Não é, minha flor?

Segredo de FamíliaOnde histórias criam vida. Descubra agora