Trinta e um

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Ariana

A lua pairava sobre o vinhedo, entre as nuvens.

Senti as mãos sujas de terra, o gosto de sangue na boca. Ouvi ele me chamando, há poucos metros de distância, mas o que eu conseguia enxergar eram apenas as videiras, por todos os lados. Comecei a seguir em uma direção, quando braços fortes me agarraram.

 —  Você não me ouviu?

❦❦❦

Duas horas antes...

Eu estava sozinha na quitinete, sexta à noite. Era minha folga e Heitor estava no Armazém. Nas noites de sexta ele costumava fechar mais tarde.

A minha semana tinha sido movimentada na pousada por conta da alta temporada, eu estava exausta. E dar conta do fogo de Heitor, exigia muita energia. Não que eu estivesse me queixando, os momentos que passávamos juntos eram os melhores do dia. Ele me fazia rir, era carinhoso, trazia sempre alguma coisa do Armazém a fim de saber minha opinião. 

Até tinha diminuído a quantidade de cigarros que fumava por dia. Seria por medo de brochar?

Heitor e eu estávamos bem, mas eu estava preocupada com Helena, que andava reclamando muito de Rômulo. Ele parecia outro, andava arredio, sumindo sem dar satisfação. Espero que não esteja aprontando. Se Vinícius, que era seu amigo, alertou Helena, alguma coisa devia ter.

Resolvi ligar para Helena. No momento que apanhei o celular, ele vibrou, me assustando. Olhei a notificação, surpreendida. Era uma mensagem de Vinícius. Desbloqueei a tela para ler.

Preciso falar com você. Me encontre na vinícola, vou esperá-la na entrada 2, até as 21:00.

Eram 20:18. Heitor ainda levaria umas quatro horas para voltar. O que Vinícius queria me falar? E por que na vinícola, no meio da noite? Estaria com medo de que alguém nos visse? Mandei uma mensagem perguntando sobre o que ele queria falar. Ele não respondeu. Decidi não ir.

Àa 20:45, comecei a ficar aflita, pensando no que poderia ser tão importante, para ele querer falar comigo. Imaginei Vinícius sentado na caminhonete, me esperando. Por que ele tinha que mandar a mensagem? Não vou.

Às 21:10, peguei as chaves do Corcel e desci. Eu iria até lá, só para constatar que ele já tinha ido embora. 

Levei cerca de trinta minutos para chegar na vinícola. Quando me aproximei da entrada 2, vi a caminhonete dele parada. Encostei ao lado. Não havia ninguém no veículo. Desci. Havia uma tenda alguns metros adiante, além da entrada, com uma lâmpada acesa.

—  Vinícius! — Chamei.

Não houve resposta.

Caminhei até a tenda e olhei dentro. Não havia ninguém. Ouvi um estalido atrás de mim e me virei, quando senti alguma coisa se chocar contra a minha nuca.

Minha vista escureceu momentaneamente e fui parar no chão. Apoiei as mãos na terra áspera, levantando o dorso, balançando a cabeça a fim de desanuviá-la. Olhei em volta. Não havia ninguém. Entrei em pânico, percebendo que a bolsa com o celular não estava mais comigo. Eu devia tê-la perdido na queda. Nisso ouvi passos próximo dali, levantei e corri, me embrenhando no meio do vinhedo.

Ouvi ele me chamando, há poucos metros de distância. Era a voz de Vinícius. Senti as lágrimas escorrerem pelas faces. Por que ele estava fazendo aquilo comigo? Estaria me punindo, por eu estar com Heitor? Comecei a seguir em outra direção, quando braços fortes me agarraram. 

—  Você não me ouviu?

Ele me girou, deixando-me de frente para ele. Não era Vinícius.

—  Ariana! 

Eu ainda ouvia a sua voz e senti um imenso alívio. Não era ele.

—  Vinícius!

Senti uma mão cobrir a minha boca. Mordi com toda a força. Ouvi um palavrão e em seguida a mão voou contra o meu rosto, batendo com força. Fiquei tonta. Vi a mão subir novamente e descer contra o meu rosto. Minha vista ficou turva e senti que mergulhava num poço escuro, lentamente.

❦❦❦

Quando abri os olhos, a primeira coisa que vi foi uma lâmpada pendurada no teto. Senti um princípio de pânico, sem saber onde eu estava. Olhei em volta. 

Era um quarto, simples e modesto, com a cama de casal sobre a qual eu estava deitada, um guarda-roupa com as portas desencaixadas; havia uma cortina colorida puxada, isolando o quarto, no lugar da porta.

 Nesse momento a cortina foi aberta e ele apareceu. 

Vinícius.

Ele ficou parado, encostado no batente, me olhando. Senti um misto de emoções me invadir: Alívio, confusão, alegria, tristeza.

Meu queixo tremeu, senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Vinícius sentou-se na cama, me puxou, envolvendo-me em seus braços. Escondi o rosto no seu ombro e chorei, o medo e o frio no coração se dissipando.

Ele era o meu sol, sempre foi.

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