Vinte e seis

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Ariana

Meus olhos estavam vendados, enquanto Heitor me guiava. Eu ouvia os grilos cantando e sentia pedrinhas soltas rolarem sob os meu pés, mas não tinha a menor ideia do lugar para onde ele estava me levando. 

Houve uma mudança na estrutura em que eu pisava, a aspereza do solo nu dando lugar a uma superfície plana de madeira.

—  Posso ver agora? — perguntei, impaciente pela curiosidade.

—  Estamos quase chegando.

Dizendo isso Heitor me tomou nos braços, arrancando um grito de surpresa, percorrendo o resto do caminho, seus passos provocando rangidos no chão de madeira. Fui carregada escada acima, dentro de alguma estrutura, não muito firme. Heitor me colocou no chão, lentamente retirando a venda. 

Levou algum tempo até meus olhos se acostumarem com a escuridão, registrando primeiro o céu noturno, salpicado de estrelas, e abaixo, à minha frente, as águas escuras do São Francisco. Estávamos no Princesa, no convés superior.

—  Eu disse que a levaria para dar uma volta — disse Heitor atrás de mim, apertando minha cintura.

Em seguida ele se afastou, indo até o leme e acionando o motor. Por que tudo o que acontecia, de alguma forma, tinha que me remeter à lembranças com Vinícius? O nosso passeio a barco, a minha quase primeira vez. 

Não tive coragem de contar a Heitor, mas Vinícius havia me procurado na cozinha, antes do jantar, para pedir que o encontrasse no jardim, sob o pergolado, onde havíamos passado uma tarde juntos, com Dona Laura, quando fomos oficialmente apresentados. Depois de muito relutar, eu havia ido ao seu encontro. Não tínhamos muito tempo, pois os convidados estavam na sala, mas Vinícius aproveitara que os outros membros da família os entretinha, para sair.

Começava a escurecer, as heras aumentando as sombras sob o pergolado, embora eu pudesse distinguir uma certa tristeza nos olhos de Vinícius, quando nos encontramos. Não pude deixar de me entristecer também, por tudo o que havia sido destruído em uma única tarde, os sonhos que tinham morrido.

—  Quando fui ao seu encontro ontem à tarde — começou ele, a voz profunda que me torturava —, eu não sabia que minha tia havia voltado, que iria atrás de mim. Pensei que fosse você.

O que não mudava nada.

—  Se você me pedir para não lhe procurar mais, não irei, mas se estiver disposta a esquecer o que viu, eu também vou esquecer o que vi — concluiu.

Mas não era mais apenas um beijo, entre Heitor e eu. Ele estaria disposto a esquecer isso também, se soubesse? 

—  Se ela foi atrás de você, é porque ainda não está acabado, ao menos para ela — falei, procurando manter a voz firme. — Eu sinto muito, Vinícius, mas eu não posso.

Virei e caminhei de volta pela alameda, sentindo o peito sufocar.

❦❦❦

—  Gosto do seu cheiro, mas hoje ele me lembra muito o jantar desta noite. — Enquanto falava ele ia tirando minhas roupas.

—  Heitor...

Eu sentia que estávamos indo rápido demais. Ainda não havia absorvido totalmente o que se passou entre nós naquela manhã, devido ao jantar; ainda não tinha analisado meus sentimentos em relação a ele. E havia Vinícius, apesar da breve conversa que tivemos, o que senti enquanto me afastava, deixando-o no jardim, mostrava que o que eu sentia por ele era mais real do que uma fantasia da adolescência.

Heitor me tomou novamente nos braços, me carregando até uma jacuzzi instalada na proa, colocando-me na borda. Livrou-se das roupas e entrou comigo na água morna, me envolvendo em seus braços. Senti seu membro reagir e meu corpo corresponder.

Nem nos meus sonhos mais delirantes eu poderia ter-me imaginado num cenário como aquele, muito menos na companhia de Heitor, nossos corpos nus entrelaçados dominados pela luxúria. Seus lábios percorreram meu pescoço, uma das mãos acariciando meus seios e a outra desaparecendo entre minhas coxas.

Não foi como aquela manhã. Eu não estava preparada para aquilo, com nossos corpos envoltos pela água tépida, a tênue obscuridade da noite, as mãos que ateavam fogo por onde passavam. Desta vez Heitor me mostrou o seu lado que acarretava todos os adjetivos que o acompanhavam; me levou até o limite, me fez delirar em êxtase, até sucumbir, exausta.

Só muito tempo depois, de volta ao píer na margem, enquanto Heitor dormia ao meu lado, no camarote do Princesa, foi que me ocorreu que aquela não era a primeira vez que ele levava uma mulher para o barco. As festas badaladas de que eu tinha ouvido falar, regadas à bebida, a existência da jacuzzi, o camarote. Quantas haviam se deitado ali, antes de mim? 

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