1 - MARÇO DE 1864 (GARIG - UNIVERSO TAVILAN) - PARTE I

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Tive um ano para me preparar, foi um ano em que tudo parecia ir depressa demais. Meus passeios e curtições noturnas acabaram. Treinava lutas com a espada sem parar, sem todo aquele toque cinematográfico que muitos admiram. Eu sabia que uma luta deveria acabar nos primeiros segundos, mais que isso seria praticamente um suicídio. "Golpes diretos, joelhos flexionados, mantenha o equilíbrio, jamais tire o olho de seu oponente, seja outro humanoide ou uma fera qualquer".

Luh me ensinou a arte da luta durante toda a vida. Usando princípios do AMHE ou lutas medievais como é mais conhecido, adaptávamos o aprendizado para qualquer outro tipo de luta. Mas sejamos sinceros, eu estava longe de realmente dominar a arte da esgrima.

"Não há golpes sujos em uma luta de espada, o que existe é a sobrevivência", Luh me repetia uma e outra vez quando eu falava que tal golpe seria injusto.

Minha espada era longa e um tanto mais fina que a maioria das outras espadas, mas tinha gumes dos dois lados e estes eram sempre muito bem afiados. Ao decorrer de sua lâmina de um branco cintilante que me lembrava o gelo vinha um escrito nas letras locais: "Minha lâmina me serve, ela cortará apenas o que eu desejar". Uma frase e um lembrete, a decisão de tirar uma vida estava nas minhas mãos e não na minha espada.

Com apenas 1,5kg, eu conseguia manejá-la muito bem com as duas mãos em uma luta, mas eu preferia deixá-la embainhada, me defendia melhor com minha manipulação de vento do que com uma lâmina.

Um ano se passou, um ano que passou mais rápido que o próprio tempo.

Arrumei uma bolsa com algumas trocas de roupas, livros e outros passatempos. Passei uma faixa ao redor do busto, apertando meus seios e me vesti com uma roupa toda preta, um capuz e uma máscara, a roupa típica para irmos em missões. Optei por usar um tênis de botinha que era bem confortável e quente. Coloquei luvas que cobriam toda a minha mão e guardei mais três máscaras na bolsa.

Coloquei minha espada embainhada na cintura e saí do quarto. Meu irmão e minha mãe estavam no salão em arco me esperando junto com Luh. Meu pai já estava com os conselheiros.

– Oh, querida. Promete que vai se cuidar. E por favor, não saia do controle – minha mãe disse tentando conter o choro enquanto me abraçava. Ela chorou constantemente ao longo desse último ano e suas olheiras deixavam o cansaço e o esgotamento visíveis.

– Ora, mamãe, deixe-a respirar – meu irmão a segurou pelo ombro apoiando-a e chamou seus dois servos para que eles levassem minha bolsa – Vamos nos atrasar desse jeito.

Seguimos Lucca até uma carruagem automática que ele havia conseguido para nos levar. Normalmente, não precisávamos de nada disso para chegar aos lugares. Horad era uma cidade pequena no universo de Tsag e ali só moravam as famílias do alto escalão das divindades. No entanto, ele achou conveniente que fossemos de carruagem, imagino que para o caso de mamãe passar mal.

Não demorou cinco minutos para que chegássemos ao salão dos conselheiros. O salão era mais parecido a um lugar de julgamento, uma sala grande com uma mesa em arco que cobria metade do local. Na frente inúmeros assentos para quem estivesse assistindo e um púlpito ao centro, local para onde me dirigi após me despedir aos choros da minha mãe. Próximo ao púlpito estava uma mesa com a rota fortunae.

Olhei ao redor e pude ver os 22 conselheiros já sentados, esperando que todos se acomodassem. Velhos, gordos e continham o poder de todo o nosso povo nas mãos.

Levei o olhar para o local onde a minha família se acomodou. Minha mãe chorando aos soluços era consolada por meu irmão, que mantinha o rosto sereno, em partes porque não queria me apavorar, mas eu queria acreditar que essa serenidade era por sua confiança em mim. Ao lado da minha mãe, estava meu pai, os olhos sofridos e vazios. Nossa relação havia se esfriado muito desde a notícia, mas eu ainda o amava e amava muito.

– Princesa, antes de iniciarmos – um dos velhos conselheiros se dirigiu a mim. Ele tinha grandes bolsas abaixo dos olhos e uma papada grande, era levemente gordo e calvo e tinha heterocromia, sendo um de seus olhos verdes e o outro de um castanho bem escuro. Flaks era o mais antigo conselheiro e o que normalmente levava todos esses projetos adiante – Quero dizer em nome de todas as divindades que esperaremos ansiosos seu retorno nos próximos anos, mas preciso lembrá-la que existe uma pequena regra a ser seguida nas missões, principalmente na missão de teste.

– Sim, senhor – respondi tentando não demonstrar o quanto eu estava nervosa – Estou ciente das regras.

– Oh, por favor – ele disse abanando as mãos – não se dirija a mim com essa formalidade, princesa, nós que devemos esse respeito a vossa senhoria. Infelizmente a senhorita não poderá fugir da regra principal: está terminantemente proibido a visita de qualquer parente seu durante a prova. Você não poderá ter notícias deles e nem os ver. Sendo assim, mesmo que você esteja para morrer, eles não poderão interferir.

– Sim, estou ciente, senhor – disse esquecendo por completo o que ele havia dito sobre não o chamar assim.

– Sua missão será ir até o planeta Garig, no universo Tavilan. Há rumores de aparições de Wendigos, mortes e desaparecimentos misteriosos, resolva a situação. A rota fortunae decidirá em que condições você terá que passar pela prova. Cumpra sua missão e volte para a casa.

Consegui escutar os soluços da minha mãe ao longe. Senti os olhares todos voltados na minha direção. Olhei para trás e sorri para meu irmão, que me devolveu um sorriso encorajador.

– Rode a rota fortunae. E que você jamais perca a sua divindade, princesa – ele concluiu me dando o aval para começar a prova e curvou a cabeça antes que eu desaparecesse.

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