Conto 6: Suspense/Comédia.

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EU E O CARRO DO PAPAI.
(História real)

☆ Capítulo Único ☆

Assim como minha mãe, sou nascido no Rio de Janeiro, porém, meu pai é paraibano e, quando eu tinha uns vinte e poucos anos, fomos todos morar na cidade dele, pela segunda vez, Campina Grande: meus pais, minha irmã e irmão; minha esposa, filha e eu.

Houve uma vez em que eles tiveram que viajar, em caráter de urgência, para algum feito em terras cariocas.

Fiquei com os deveres de cuidar da casa, de minha irmã adolescente (sabem aquela época em que o espírito da discórdia aluga o corpo das pessoas que estão entre os treze e os dezoito anos? Pois é...) e de minha família - esposa e filha.

Levaram meu irmão - ele ainda era muito novo. Além de deixar a casa em minha responsabilidade, deixaram a chave do carro, que tinha toda sua documentação ainda registrada no Rio e estava com algum tipo de irregularidade nos documentos.

Era o final da tarde num dia quente de verão e eu estava mega entediado em casa. Procurando algo para me distrair, eu cheguei à varanda da casa e ele estava lá: o Corolla prateado de meu pai. Carro de luxo, imponente, confortável e magnífico aos olhos de um jovem eufórico que eu era.

Bem, dos tantos problemas que a falta de alguns documentos do veículo poderiam me trazer, caso eu fosse parado pelos homens da lei, o pior estava em eu não ter a bendita carteira de motorista, porém, desde os quinze anos, eu sempre fora um ótimo condutor; eu apenas achava um absurdo em pagar mais de 1.500 reais para alguém me dizer que eu sei fazer o que eu sabia que sabia fazer: dirigir. Se eles me ensinassem e tudo mais, okay, eu até entenderia, entretanto não era o caso. Eu já sabia dirigir, e muito bem, mas ao invés de apenas fazer uma prova comprovando ou não o conhecimento na condução de um carro, eu teria que passar por tooooodoooo aquele processo de aprendizado para me mostrar o que eu sabia fazer e ainda pagar muito caro por aquilo, então...
Anos a frente tive que aceitar, ou não seria habilitado.

Senti meu ego e minha masculinidade chegar às nuvens quando tomei posse da chave. Aquele objeto em minha mão. Era como uma batuta, o carro a orquestra e eu era o maestro.

Acionei a primeira nota ao apertar o botão da batuta, "blin, blin" soou aquela bela onomatopeia harmonicamente em meus ouvidos, liberando as portas da velocidade; completando a musicalidade para o então maestro das ruas, eu virei a chave após me acomodar e o motor ressuscitou de seu coma. Nunca antes o barulho daquele motor fora tão simbólico: poder, masculinidade e autoridade.

- Vai pra onde? perguntou minha irmã atraída pela curiosidade do som do carro do papai.

Não havia uma resposta a então pergunta. Aliás, qualquer resposta denunciaria a futilidade do feito. No entanto, eu tinha que dizer algo.

- Vou ao mercado do shopping comprar algo pra janta.

Sua feição estava me indicando a tudo, menos uma coerência sobre minha resposta.

"O jantar estava pronto desde o almoço".

Ela decidiu não comentar o que pensou, mas...

- Posso ir? - perguntou esboçando aquela face dramática que só adolescentes sabem fazer.

De repente apareceu minha mulher.

- Vai pra onde?

- Vou ao mercado e já volto - respondi enquanto dava ré me expurgando da garagem antes que houvesse uma discussão.

Nada contra irem ou estar com eles. Era mais pelo momento prazeroso que eu queria passar sozinho. Também havia a tensão do errado, não só pelo fato de que, se meus pais soubessem, seria, em primeiro lugar, a morte dos meus tímpanos pelos gritos deles e, em segundo lugar, minha morte física pela merecida surra que levaria com o que estiver ao alcance da mão dele ou dela.
"Eu trato e zelo, mas se facilitar eu descadero"; essa sempre foi a frase mais famosa de minha mãe.

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