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Com a ajuda de Alícia nos sentamos sob a copa da grande árvore em formato de chapéu, Lila se acomodou na nossa frente junto de Dexter que descansou em seu colo.

—Mas e então?A que devo a ilustre visita?

—Lice você está brava?

A garotinha respondeu antes que eu pudesse pensar em algo.

—Brava?Não, por que eu estaria?

—Por que te emprestei um livro, e você ficou estranha.

—Ah, eu só tinha lembrado de uma coisa mas não era nada de mais — Alícia sorriu — E eu amei o livro!

—Mesmo?!

—Sim!

—Eu tenho outros lá que posso te emprestar!

—Ansiosa para vê-los.

—Vou lá pegar então, já volto!

—Ah Lila!Não precisa ser agora!

Mas a garotinha já havia sumido por entre as árvores junto de Dexter agarrado ao seu vestido.

—A energia deles é invejável — suspirei enquanto me escorava no tronco liso da árvore.

—A alegria também — ela ainda sorria — Lila é tão bonitinha, me lembra a Inae.

—Tirando a pele rosa e as orelhas de coelho, sim, elas são parecidas.

Um curto silêncio se abateu sobre nós, o vento chacoalhava as folhas e a grama trazendo o cheiro agreste do campo e o perfume doce do pomar até nossos narizes.

—Esse lugar é incrível não acha?A grama verdinha, as borboletas cintilantes, as frutas, o céu azul...

—Sim.

A vi se deitar em meio a grama e fechar os olhos, seu semblante sereno era invejável e hipnotizador mas havia algo ali, uma sombra de tristeza impossível de não notar.

—Lamento pelos seus livros — falei depois de um tempo — Mas depois de tudo seria quase impossível não perde-los.

Alícia não respondeu e por algum motivo não tive coragem para encara-la. Depois de minutos que pareceram horas finalmente ouvi sua voz.

—Acha que vou me esquecer deles?

—Deles?Quer dizer seus pais?

A vi concordar com a cabeça.

—Fortes lembranças jamais são esquecidas — fechei os olhos deixando a brisa tocar meu rosto — Elas vão continuar em algum lugar na nossa mente, e nem mesmo o tempo é capaz de apagar isso...

Por mais que queiramos elas ainda vão continuar lá...

Deixei a memória de dias ensolarados preencher minha mente junto de uma mulher de olhos dourados e penas brancas.

—Eu sinto que...

A voz de Alícia me trouxe de volta.

—Perdendo meus livros também perdi uma parte minha, é estranho...

Seu olhar triste me incomodava, Alícia não era daquele jeito, era alegre, curiosa e feliz, mas agora parecia que parte dos meus demônios também a assombravam.

—Parece que fiquei mais longe ainda dos meus pais...  mesmo que talvez eles não estejam mais vivos...

Sua voz embargada me causava um desespero estranho, não sabia o que fazer, eu era o responsável por ter dito que seus pais estavam mortos e aquilo me corroía, ainda mais agora.

Amenadiel (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora