Capítulo 17

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Sáskia abriu os olhos. A ponta de ferro da flecha se moveu quando ela se assustou e quase furou o seu olho. Se arrastou para trás encarando aquele homem e seu arco. Ao lado dele havia mais um e uma mulher, todos com flechas apontadas para elas.

O arqueiro que a acordou disse algo esquisito por debaixo daquele capuz negro. Os grandes olhos verdes dele com aquelas pupilas igualmente enormes a lembravam dos seus.

— Não somos Lupus! Deixem a gente em paz!

A mulher chutou sua mãe a fazendo despertar com um urro de dor.

— Para! Ela tá machucada!

Ao olhar de canto de olho pôde ver Lacole de olhos meio abertos, lentamente esgueirando a mão direita na direção de uma pequena faca escondida na cintura.

O homem à sua frente fez um movimento para ela se levantar e Sáskia obedeceu, tão lentamente quanto podia, buscando o tempo necessário para Lacole fazer algo. Apontou de súbito para a floresta e gritou:

— Boitatá!

O de olhos verdes à sua frente caiu no truque mais velho do mundo e se virou, dando tempo o suficiente para receber uma boa apunhalada de Lacole na perna. Ele derrubou o arco e flecha ao chão e Sáskia o pegou se pondo entre ele e os outros dois.

Uma flecha passou tirando sangue do braço de Lacole e quase a atingiu também, mas as duas tiveram tempo de se pôr atrás do homem e conseguir um refém.

Lacole o segurou pelo pescoço, a faca pressionada contra ele. Sáskia apontou a flecha para os outros dois e disse:

— Saiam! Vão embora senão a gente acaba com o amigo de vocês.

A mulher desviou a mira da flecha dela para a cabeça de Helena enquanto o outro as mantinha sobre mira.

— Sáskia. — Sua mãe engoliu em seco. — Você não é uma assassina.

— Vão embora!

A mulher falco disse mais alguma coisa num tom irônico. Lacole segurou o homem com mais força enfiando a faca mais fundo no seu pescoço, o fazendo gemer como um porco perto do abate.

Helena já começou a falar outra língua estranha atraindo os olhares dos dois falco. A mulher respondeu algo a ela e lentamente começou a abaixar a flecha.

— Mãe, o que que tá rolando aí?!

A ignorou. Continuou falando com aqueles dois gesticulando em direção ao campo de batalha. Hora ou outra Sáskia pôde pegar no ar algumas palavras como Lupus e Midgard. Talvez pudesse baixar a guarda por um momento, talvez não tivesse que matar para sair dali com vida. Talvez pudesse confiar na sua mãe para as tirar dali.

A mulher gritou e voltou a erguer o arco contra a face de Helena. Lacole já dizia algo e seu punho já deslizava para cortar a garganta do homem quando um grito veio de dentro da mata.

Sáskia desviou o olhar para a escuridão por apenas um instante e teve o vislumbre rápido e veloz de uma flecha atravessando o ar. Piscou e o arco que segurava já estava no chão. Ela segurou a mão esquerda encarando a flecha que atravessou a sua palma, ainda presa entre os ossos.

Gritou, se ajoelhando ao chão, tentando tirar a flecha da mão, cada pequeno movimento lançando um arrepio de dor por todo o seu braço. Um chute veio contra o seu rosto a atirando nas raízes ao lado de Helena. Lacole já fazia o movimento para cortar a garganta do homem quando outra flecha veio da escuridão acertando seu ombro e a atirando para trás.

Ela deu um grito estridente e correu floresta adentro até desaparecer de sua visão, o homem atirando flechas contra ela sem parar. Sáskia encarou os três vultos que surgiram do mesmo lugar das flechas, se aproximando. A garota franzina de capuz verde entre eles gesticulou violentamente e eles ouviram em silêncio até saírem na direção de Lacole e a deixarem ali a sós com ela.

— Sáskia...

Era difícil até mesmo respirar. Criou coragem para segurar a flecha com a outra mão e arrancar, mas quando já tinha seus dedos envolta da madeira, recebeu um chute que quebrou a flecha ao meio.

Urrou de dor, batendo contra as costas da garota enquanto ela arrancava a flecha de sua mão. Os pés contra o seu antebraço fazendo força contrária como se estivesse tirando de uma presa. Finalmente a falco puxou de vez e o sangue começou a escorrer lentamente.

A garota cortou um rasgo da própria roupa com a ponta da flecha ensanguentada e segurou a sua mão a embrulhando. A dor do seu toque era quase tão pior quanto a própria flecha e Sáskia quase conseguiu acertar um bom soco enquanto se remexia em dor. Ela segurou seu punho como se não fosse nada e a encarou com aqueles olhos verdes profundos.

Eles se arregalaram e ela lhe disse algo que não compreendeu. Buscou algo entre os bolsos e colocou na boca, mascando. Falava de uma forma diferente, mas ainda não podia compreender nada.

Sua mãe a respondeu com algo e ela se virou para conversar. Trocaram meu dúzia de palavras enquanto ela gesticulava para mão de Sáskia e para a própria ferida no abdômen. A garota retirou outra goma da bolsa e a ofereceu com aqueles dedos sujos.

Sáskia encarou a branca goma e depois a sua mãe. Helena fez um sinal positivo com a cabeça.

Pegou-a, a mascando. O gosto de menta era tão forte quanto o cheiro, e quase a cuspiu se a menina não tivesse segurado a sua boca.

— Você, você tem os mesmo olhos dela. — A sua voz era jovial, quase tanto quanto a de Sáskia.

— Por que tá ajudando a gente?

Abaixou o capuz. Seus olhos eram ainda mais verdes e as pupilas tão grandes quanto as das harpias. O cabelo da mesma cor já estava tão sujo que podia ser confundido com um marrom claro, deixando as cicatrizes ao redor da face expostas. Marcas de flechas, Sáskia observou.

— Você é tão parecida com ela. — disse levando as mãos ao seu rosto.  — Os mesmo olhinhos da Divina Ártemis.

— Quem?

Passos apressados vieram da escuridão, se aproximando. A garota se ergueu e deu um longo assobio que foi respondido por outro.

— Venham.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Where stories live. Discover now