Capítulo 44

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Sáskia não sabia como eram os funerais de príncipes, mas aquele certamente não era digno de um. Era um local reservado nas colinas ao norte de Camelot, longe das valas comuns e fedorentas onde outros pobres coitados menos abastados estavam sendo jogados naquele exato momento. Não tinham a sorte de Geliandre. Não eram Caçadores.

A senhora Anã grunia a cada pesado monte de terra que arrancava do chão, suando. Havia já há horas recusado a assistência dos magos de manipulação de terra providos por Andis.

— É o jeito dos anões — comentou Asta, ao lado de Sáskia — Filho enterra pai, pai enterra filho.

Havia sido chamada junto ao irmão mais novo e Tia Saga. Era o que a tradição ditava.

— Ele morreu bem? — perguntou a senhora anã para Sáskia na noite anterior. — Como um guerreiro?

Sáskia já tinha ouvido histórias de Juna, a presidente dos anões e do seu faro para mentiras. Sabia que viria até ela, afinal, foi uma das que presenciou a morte do filho. Como dizia a lei antiga dos anões de Deserto de Aço, era uma das únicas que poderia presenciar o enterro.

— Como um guerreiro. — disse, sem pestanejar. — Como um verdadeiro guerreiro.

O aceno de cabeça de Juna foi o suficiente, mas o pensamento sobre o que ela realmente acreditava perturbou o sono de Sáskia.

A Anã jogou o último monte de terra e gritou para se aproximarem. Os últimos raios de sol clareavam a sua pele morena, e seu sorriso ao ver os rostos dos quatro.

Aris foi o primeiro a erguer a mão, desajeitado, abrindo um sorriso no rosto dela. Sáskia e Asta lhe deram o braço a erguendo do buraco. Ela limpou as roupas cheias de poeira e se dirigiu para o caixão ao lado do túmulo.

Era de madeira barata, como os outros da vala comum. Sem adornamentos, apenas com um nome cravado no seu topo.

Sáskia e Juna o empurraram, centímetro por centímetro, esperando pelo sinal de Asta e Saga lá embaixo.

— Cuidado com o meu menino, garotas.

Elas o agarraram e vagarosamente o puseram no chão. Asta saltou para fora da vala, mas tia Saga permaneceu ali, imóvel, encarando o caixão.

— Ele não vai a lugar nenhum. — disse Juna, dando a mão a ela. — Vamos.

A noite já caia quando acabaram de despejar a terra. Juna levou as mãos à cintura, ofegante.

— Não vamos pôr uma lápide? — perguntou Solaris. — Pra saber...

Juna deixou escapar uma risada abafada.

— Anões não usam lápides, rapazinho — disse ela, bagunçando os cabelos dele. — Ele está com a terra agora. Está onde sempre esteve.

Saga e Asta deram a volta retornando para a carroça seguidas de um Aris cabisbaixo que já mostrava sinais de choro.

— Esses elfos... — disse ela entre um suspiro. — Não tem jeito, que moles... —

— Como você está?

— Eu estou bem, menina. A presidente de Deserto de Aço sempre esteve fadada a enterrar um filho.

Sáskia permaneceu calada por um instante. Não devia, não era seu direito apressar. Mas Caçadores e reis a esperavam.

— Já tá ficando na hora, senhora Juna. — disse ela dando as costas e indo para a carroça. — Eles estão nos esper-

— Não minta pra mim dessa vez, menina.

Ela parou, apenas ouvindo:

— Me diga, Sáskia. — A voz trêmula dela pesou. — Me diga que a Chama do meu menino vai ajudar os mortais!

Sáskia e os Caçadores de Deuses Where stories live. Discover now