Capítulo 47

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Sáskia acariciou o pescoço da harpia gigante arrancando um piado tão alto quanto o vento que soprava. Lá embaixo, no pé da colina, os tais chamados Caçadores ainda subiam aos trancos e barrancos, uns mais animados do que outros.

— Chupa, seus bestas! Adivinha quem chegou primeiro?! — Manjá esperneou.

Ela se virou para Sáskia lhe lançando um olhar confuso.

— Qual é a dessa armadura esquisita e do capacete?

— Isso é garantir que a sua piloto não canse e derrube a sua aeronave, senhorita.

— Aeronave? — riu. — Parece o tipo de palavra difícil que Lyra diria.

— Eu não...eu não.... — Uma Lyra ofegante surgiu apoiando todo o peso do corpo e da mala no cajado — Eu não digo palavras difíceis!

Killian e Andis seguiram com suas roupas e malas esquisitas de cores ainda mais diferentes. Levaram mais tempo que necessário para encher a caixona de madeira com panos e travesseiros, e mais ainda por todo o paparico que a senhora Dina deu ao filho.

Sáskia a fitou enquanto o pobre coitado tentava sair dos beijos dela, ficando com o rosto mais vermelho do que já era.

— Qual é a desse sorriso melancólico? — perguntou Andis, afivelando o cinto ao seu lado.

— É só engraçado, só isso. Mãe coruja é sempre assim.

Agradeceu por ele ter se calado, mas não pôde evitar de manter o sorriso bobo enquanto todos se despediam. Manjá e o pai trocaram uma abraço forte, enquanto Lyra e Magnus se reservaram a conversas mais ao longe do grupo. Até mesmo Andis teve o prazer de dar um abraço genuíno no barbudo pai, que retribuiu com um outro abraço em Sáskia.

— Se chegar a pior das hipóteses... — começou o rei em um murmúrio que lhe trouxe arrepios. — Não hesite.

— Não pode ver um rostinho bonito mesmo hein, pai? Deixa ela logo!

Ela a soltou e com um sorriso amarelo na cara lhe deu as costas, descendo a colina.

— Cala a boca, rapaz! Você já puxou a mania do seu velho de gostar de um bom rabo de saia!

— Esse velho...

Sáskia já estava contendo Andis quando um berro veio da ladeira. Um grito infantil, de voz arranhada e fina.

— Olha como fala com a Guardiã, seu velho imun-

— Aris, cuidado com a boca!

As cabecinhas de Aris e Asta surgiram e seus rostos se acenderam em um sorriso ao ver Sáskia. O pequeno correu na direção dela deixando os cabelos vermelhos esvoaçarem ao vento a cada passada.

— Ah, tá de sacanagem?! — exclamou Manjá. — Só cabem quatro pessoas nessa caixa e eu não vou subir nesse bicho nem ferrando!

— O quê vocês estão fazendo aqui?! — resmungou Andis.

— De jeito nenhum que a gente ia deixar você sair nessa sozinho, Solandis.

— A gente tem que proteger a Guardiã, Andis! Que tipo de guardiões da Chama a gente seria se não?

— Por Zeus, vocês dois..

— Bem, pelo menos vou ter companhia com o Ícaro. — Disse Sáskia. — E então...qual de vocês quer subir comigo, hein?

Lyra e Manjá se apressaram, entrando na caixa de madeira em um pulo. Killian já erguia a mão como numa sala de aula, mas foi interrompido quando uma cabeleireira vermelha surgiu ao pé da colina, aos gritos.

— Esperem por mim! Esperem por mim, seus apressadinhos!

— Tia?!

Tia Saga ainda corria na sua direção, sorrindo, mas rápida até demais. Sáskia deu um passo para trás, se preparando pro impacto.

— Tia? Calma aí, ti-

Ela a abraçou em um pulo, quase a jogando para trás no chão de grama. Cheirava a suor e a vinho, e os cabelos bagunçados mal pareciam ter sido escovados nos últimos dias.

— Não pode ir sem mim!

— Mas, tia, Prometeu e você tem que ficar aqui pra manter calmos, você sabe...

Disfarçadamente acenou com a cabeça para os pais.

— Ah, aquele moleque sabe cuidar de reis mimados sozinho. Não precisa de uma velha que nem e-

— Reis mimados?! — exclamou o Oceaníde.

— Ela tá só brincando, calma! — disse Asta.

— Não temos espaço pra mais ninguém, Senhora Saga. — Andis disse, colocando uma bala de Eternano na boca. — Sério, não tem...

— Já estiveram em Alfheim alguma vez? Conhecem Storia, por acaso?

Um silêncio caiu.

— Ela tem um bom ponto — apontou Killian.

— Então está decidido!

Tia Saga caminhou a passos saltitantes até a caixa e atirou uma bolsa nas mãos de Lyra. Voltou aos mesmos saltos para Ícaro e pôs um pé na cela.

— O quê estão esperando? O sol já vai se pôr.

Andis soltou um suspiro pesado e ergueu os braços. Asta o puxou pelo braço, levando ele e o irmão menor até a grande caixa, atraindo as reclamações altas e penosas de Manjá.

Killian fitou Sáskia e apontou para a sela onde tia Saga já estava devidamente montada.

— Posso?

Sáskia não pôde conter um sorriso de canto de boca.

— Se segura, fadinha — disse ela pondo o capacete. — Vai ser uma boa decolada.

Sáskia fechou as mãos ao redor das rédeas e olhou para trás. Tia Saga segurava na sua cintura, o rosto sobre seu ombro. Atrás dela, um desajeitado Killian tentava abraçar a cintura da elfa, mas hora ou outra deslizava a mão para...

— Que isso, rapaz?! Tira a mão daí!

— Desculpa!

Sáskia puxou as rédeas e Ícaro começou a bater as pesadas asas. O primeiro bater fez a rainha feérica cair de bunda no chão arrancando risadas nada cordiais de tia Saga. A segunda já levantou eles do chão e arrancou um grito de empolgação da oceaníde ao chão, que teimava em manter a porta aberta da caixa aberta.

— Bota essa cabeça pra dentro e fecha essa porta, Manjá!

Uma mão pálida tomou a oceaníde pelo pescoço, a puxando pra dentro. Lyra acenou e fechou a porta dando o sinal que Sáskia esperava.

Ela acariciou o ouvido direito de Ícaro e deu o sinal com a boca, estalando a língua três vezes. Ele girou sobre o próprio eixo e encaixou as garras envolta do encaixe acima da caixa.

Antes mesmo que Sáskia pudesse puxar as rédeas, ele puxou-a do chão em um bater de asas só, trazendo um frio de barriga a menina, e possivelmente uma sensação de quase morte ao feérico as suas costas.

— Achei que sabia controlar esse bicho!

— Eu sei! Ele só tá empolgado!

Estalou com a língua mais duas vezes e Ícaro obedeceu. Bateu as asas seguindo em frente, piando alto para o ar.

— Vamos, rapaz! Pode voa-

Em um rufar ele acelerou e Sáskia gargalhou. Tirou o capacete, sentindo o vento levantar os seus cabelos, as penas de Ícaro ao redor dos seus dedos.

Sáskia gritou, quase uivando para o próprio céu, pouco se importando com os gritos de desespero do feérico às suas costas e voou pelos céus de Camelot.

Sáskia e os Caçadores de Deuses Where stories live. Discover now