As Curvas do Tempo

2.4. o ficar e o ir da gente

uma das partes que mais gosto na hora de escrever uma história é de montar a trilha sonora. quase todos os capítulos tem uma ou duas músicas que se encaixam certinho com a história. cartola não podia ficar de fora.

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Georgia estava radiante. Não havia outra palavra para descrevê-la naquele momento. Afinal, estava tão próxima de conseguir o maior — e mais importante — contrato de sua carreira que quase conseguia sentir o cheiro de solo molhado, a firmeza rústica de concreto da estrutura do primeiro edifício de grande porte que já chegou perto. Ela sonhava com aquele momento desde que se formou e agora estava a centímetros de seu alcance. Era para ser dela.

Sorrindo profusamente para o diretor da Sanz Gutierrez Construcciones — uma construtora multinacional para a qual trabalhava desde que se formou —, sabia que irradiava a energia de um Golden Retriever. Emilien Martinez foi incapaz de não sorrir de volta, apertando a mão de Georgia depois de acertarem uma reunião na segunda-feira pela manhã.

Ela o observou por alguns instantes, enquanto ele se afastava para conversar com outros colaboradores, funcionários de longa data da empresa, contendo-se para não se deixar envaidecer com as próprias expectativas. O edifício luxuoso que levaria o nome dela como engenheira, como a especialista em construção civil que era, ficaria no distrito de Salamanca, em Madrid, onde Georgia morava há sete anos.

Situada no décimo segundo andar, Georgia se movimentava para espantar o frio. Estavam na última quinzena de dezembro e, como todo inverno europeu, os raios de sol não tinham forças para brilharem. Do lado de fora do prédio que abrigava a pomposa sede da SGC, o clima era gélido e o vento, cortante. Naquele dia, a máxima chegou a dez graus.

Georgia aproveitou a confraternização de fim de ano no escritório para socializar com pessoas de outros setores. Conversou com alguns membros da equipe jurídica da empresa e ouviu burburinhos sobre os planos de expansão da construtora. As horas passaram tão depressa que mal se deu conta do momento em que o dia virou noite. Quando chegou em casa naquela noite fria e estrelada, pensou com terna satisfação sobre todas as coisas boas que estavam reservadas para ela naquele ano.

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No final do expediente de um dia ensolarado, Georgia terminava de revisar o projeto que envolvia a construção de um shopping, focada e obstinada, quando foi chamada para a sala de Emilien. Ele falava ao telefone quando ela parou na porta imponente, esperando um sinal para entrar. Emilien fez um gesto com a mão assim que a viu, enquanto esbravejava em um francês que Georgia só compreendeu o "non, non, non" e depois o "c'est bien. Ça ira". Está tudo bem. Vai dar certo. Quando desligou, desatou a falar em espanhol, indo direto ao assunto:

— Temos um grande problema na sede do Brasil — começou, encostando-se na cadeira executiva, misturando um pouco de francês com espanhol. — Duas obras foram interditadas e uma foi embargada. Veja só.

Ele pegou o iPad em cima da mesa e mostrou para ela a notícia na Folha de São Paulo. Com as sobrancelhas arqueadas, Georgia leu o título e o subtítulo da matéria com visível assombro.

— Já temos uma equipe cuidando da parte jurídica, mas precisamos de especialistas qualificados em São Paulo o mais rápido possível — ele disse, aceitando de volta o iPad para então olhar para ela. — Vou precisar montar uma equipe e gostaria de saber se tem interesse de fazer parte dela. É um contrato temporário de seis meses a um ano. Você vai continuar recebendo em euro.

— Voltar para o Brasil? — Georgia respirou fundo, encolhendo-se ligeiramente na cadeira.

Emilien tentou falar em português, repetindo a parte do contrato temporário e adicionando o detalhe sobre uma ajuda de custos, como forma de compensação para arcar com as despesas. Falou sobre as circunstâncias da sede em São Paulo, da ruptura com a empreiteira nacional situada no Rio de Janeiro e salientou a confiança em Georgia.