6. Entender

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CHARLIE SE ENFURECEU COM AS PALAVRAS de Aled; mal levantara da mesa no refeitório e seus pés o guiavam na direção da sala da rádio, deixando Nick ouvir à rádio sem entender coisa alguma:

     — Bom dia, boa tarde ou boa noite, estudantes do Truham. Essa é a Rádio Silêncio. Espero que alguém esteja me ouvindo. Hoje, falaremos sobre um assunto muito importante, algo que vão querer adicionar em suas listas de coisas para se importar: nós estamos sendo observados, há criaturas entre nós — disse, quando Charlie já havia largado a mão de Nick. Depois, continuou falando sobre o assunto do dia: — Criaturas assombram a nossa cidade, o nosso país, o nosso mundo há séculos, talvez mais. E eu já os vi. E são como nós... Portanto, falaremos sobre eles hoje. Os outros.

     Neste instante, Charlie alcança a maçaneta da sala da rádio onde Aled está. Eles se entreolham. Silêncio.

     — Charlie! — disse Aled, surpreso em vê-lo, afastando-se do microfone — O que... o que faz aqui?

     — As pessoas têm medo, sabia? — começou Charlie, furioso.

     — Como assim?

     O garoto encosta na porta, erguendo uma sobrancelha. Os dois permanecem em silêncio por um bom tempo. Aled não parecia preocupado com o seu monólogo, nem com Charlie, na verdade parecia apático. Foi o que Charlie deduziu, pelo menos.

     — Você sabe do que eu estou falando — continuou — Eu sei do que estás falando, sei mesmo.

     — Então, deve saber que é um risco sério, pois não?

     — Não vejo como assustar as pessoas é uma forma segura e responsável de alertá-las. Não é óbvio que, quando as pessoas têm medo, elas atacam?

     Aled sorriu, desviando o olhar para algum ponto próximo dos sapatos de Charlie: — Talvez elas devessem.

     — Precisa parar!

     — Não, eu não vou parar coisa alguma, Charlie. Eu estou cansado de ser o único que... Bem, eu já fiquei em silêncio por muito, muito tempo. As pessoas precisam ver também! Essas coisas, elas existem! Eu já vi!

     — É? Pois eu também. Lobisomens.

     Aled não parecia surpreso com o que Charlie lhe contava, e isso o irritava profundamente. Cogitou a possibilidade de o garoto ser vidente, ou apenas muito prepotente — mas Aled não é assim, ele sabia disso.

     Por fim, Aled diz: — Eu desconfiava...

     — Me faça entender o seu ponto de vista, Aled. Me faça ver o que eu não estou conseguindo ver! — disse Charlie, esperançoso.

     Desviando o microfone e indo na direção de Charlie, Aled fecha os olhos, dando tapinhas no ombro do garoto: — É difícil encher um copo que já está cheio. Podemos tentar, se quiser, e fazer com que você enxergue. Isso significa ter uma nova perspectiva. Estás pronto para... Quero dizer, eu não confiaria o que irei lhe mostrar a qualquer pessoa. Estás pronto para enxergar e entender? Mesmo que isso signifique deixar o mundo que conheces para trás?

     Aquilo deixou Charlie em alerta. Parecia uma ameaça.

     — Só estou cansado de não ter mais explicações para quando alguém que amamos faz coisas horríveis, ou some, ou morre — disse Aled, cabisbaixo — Acredite em mim, dói.

     Só um nome veio à memória de Charlie: Nick.

     Faria aquilo por ele. Charlie poderia ajudá-lo se enxergasse ou entendesse mais...

     — Eu aceito — diz ele, sem hesitar. Depois disso, Aled acenou com a cabeça e o guiou para fora da sala. Próximo dos armários, Aled anotou um endereço numa folha de papel rasurada e entregou ao garoto, e pediu para se encontrarem ali.

     Charlie concordou. O encontro seria durante a noite. Teria de ser durante a noite.

     — Algo me diz que você, Charlie, sabe mais do que diz — alertou Aled — E isso pode custar a sua vida, caso não tenha cuidado.

     Os garotos se despediram. "Até mais tarde" disseram um ao outro. Infelizmente, Charlie teria de arriscar — e, infelizmente, não encontrara Nick Nelson depois disso tudo, logo quem ele mais queria encontrar.

Unstoppable: A "Heartstopper" TaleOnde histórias criam vida. Descubra agora