Capítulo 1

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Eu estava imóvel. Encarava o homem seminu de mármore à minha frente, também imóvel, com concentração. Fazia algum tempo que estava ali, observando as curvas do corpo dele como se quisesse desvendar os seus mistérios mais obscuros. Ele tinha uma expressão meio triste, como se estivesse sendo torturado; o que, a julgar pelo modo como seu torso estava contorcido, devia ser mesmo isso o que estava acontecendo.

Ele estava de pé, se virando para trás, porém o rosto encarava o que estava à sua frente como se estivesse fugindo de algo perturbador. Aquela não era exatamente minha estátua preferida no museu da Universidade de Ventura. Se fosse eu a professora, teria escolhido outra — mais precisamente a da mulher-anjo deitada perto dos banheiros do segundo andar.

Mas o homem torturado até que dava para o gasto.

Eu não sabia onde estava com a cabeça quando decidi puxar uma matéria eletiva da faculdade de Belas Artes naquele trimestre, começando março de 2022 já querendo que acabasse. Ok, sempre desenhei direitinho e gostava muito de fazer isso, mas estava anos-luz atrás do resto dos alunos da aula de Arte em Movimento: A Fisicalidade do Corpo Humano que, na minha ingenuidade, achei que estava apta a fazer.

— Quem mandou se achar a sabe-tudo — meu irmão, Amir, ironizou, quando comentei, desesperada, sobre a quantidade de trabalhos que teria que fazer. — Achou que a faculdade de Artes seria moleza, né? Que vergonha.

Senti meu rosto arder pelo tapa na cara, pois era realmente um vexame. Justo eu, que defendia o fazer artístico como ninguém — por Deus, eu estava quase me formando em História da Arte —, achei que podia levar uma matéria de desenho na malandragem.

Era um comportamento inaceitável.

— Esse comportamento é inaceitável, Hanna — meu irmão repetiu meus pensamentos, como se pudesse ouvi-los. Ele tinha esse poder às vezes, o que era bastante irritante.

— Cala a boca — respondi de mau humor, sem querer dar o braço a torcer. Amir abriu o sorrisinho insuportável de quem sabe que está certo e voltou a beber café e trabalhar no seu computador, na bancada da cozinha onde ele geralmente ficava.

Eu odiava quando meu irmão estava certo e, infelizmente para mim, isso acontecia bastante. Porém ninguém podia negar que não havia pessoa mais determinada do que eu, que estava cem por cento comprometida em fazer aquela aula funcionar.

Motivo pelo qual acabei parando no museu da Universidade de Ventura em um sábado de manhã, tentando desenhar corretamente os traços de uma estátua de um homem aparentemente torturado tentando fugir do seu algoz — tal como eu me sentia por dentro, mas com relação à aula. Estava sentada no chão, como via muitos outros alunos fazerem quando visitavam o museu. Meus fones de ouvido tocavam no volume máximo a música de uma cantora brasileira que descobri no Spotify recentemente, e assim lá se foram duas horas do meu fim de semana.

Voltei para o mundo real quando meu celular vibrou por causa do alarme, me lembrando de ir encontrar meus amigos. Soltei um longo suspiro, alonguei a coluna e arrumei minhas coisas. Dei uma última olhada no homem torturado, a boina quase caindo da minha cabeça, e abri um sorriso.

— Não fica triste não porque eu volto.

Mandei um beijo para ele e dei meia-volta. Não tinha ido dirigindo, era dia de o meu irmão usar o carro que dividíamos, então decidi caminhar os vinte minutos entre o museu e o centrinho da cidade.

Era uma cidade pequena, que praticamente girava em torno da universidade e do seu passado, digamos, bastante interessante durante a Renascença, que trazia turistas de várias partes do mundo. Ela era considerada uma das maiores relíquias de Costa Malva, com praticamente todos os prédios do centro tombados como patrimônios históricos, e mesmo depois de quatro anos morando ali, eu ainda escondia um sorrisinho orgulhoso por poder chamar Ventura de casa.

Como Viver Para Sempre (degustação)Where stories live. Discover now