Como Viver Para Sempre (degustação)

Capítulo 2

Nunca imaginei que voltaria a morar com meu irmão desde que saímos da casa dos nossos pais anos atrás. Apesar de ele ser mais velho e ter ido para a faculdade quando eu ainda não tinha nem entrado no Ensino Médio, fui eu quem acabou saindo de casa primeiro. Nós crescemos em Toledo, a cidade onde ficava a maior universidade da Constança do Norte e onde nosso pai era professor de Matemática há quase trinta anos. A última coisa que eu queria era estudar em Toledo, por melhor que a universidade fosse, porque, quando você cresce em uma cidade universitária, já não aguenta mais ouvir falar dela ao chegar a sua hora de escolher para onde ir.

Meu irmão, por outro lado, não teve esse problema e, com muito orgulho, decidiu se tornar um aluno da Universidade de Toledo, deixando nosso pai mais orgulhoso ainda. Com isso, ele passou todos os cinco anos da graduação morando em casa, assim como alguns dos seus amigos do colégio fizeram também. Eu, por outro lado, sempre sonhei em ir para Ventura, em Constança do Sul, conhecido por ser o único condado na ilha de Costa Malva que praticamente não tinha litoral. Constança do Sul era a pobre esnobada pelo resto do país e só não caía completamente no esquecimento por causa da importância histórica de Ventura.

Sair de Ventura para desbravar o resto do condado era como deixar para trás a civilização e se perder nos confins das terras onde Judas perdeu as botas. O conceito de cidade pequena sequer existia porque todas as cidades eram pequenas, o que era uma piada recorrente sobre o condado. Constança do Sul era uma área agrícola e cheia de paisagens que não chegavam a ser estonteantes, mas tinham uma beleza que, para mim, era muito aconchegante e aquecia o coração como uma boa xícara de chá com bolo de vó. Era algo que eu entendia, que me fazia sentir parte, em vez de apenas hipnotizar. Havia muitos lagos e árvores altas, com invernos amenos e secos, verões quentes, primaveras floridas e outonos extremamente alaranjados. Havia muitas áreas montanhosas também e um céu que estava sempre azul.

Eu até entendia o estranhamento das pessoas que chegavam aqui vindas de cidades grandes como a capital ou Valência, mas onde cresci não era tão diferente assim.

— Você tem certeza de que essa camisa não me faz parecer um esquerdomacho tentando impressionar? — Amir perguntou, entrando no meu quarto sem pedir permissão.

Eu estava deitada na cama e desviei o olhar do meu celular para fitá-lo.

— É a trigésima vez que você me pergunta isso, o que quer que eu responda? — Eu já estava perdendo a paciência com essa insegurança dele. O que só me fazia crer que ele realmente estava levando a sério o relacionamento com Karim Montserrat.

Fiz uma careta enquanto ele se admirava no meu espelho. A camisa não tinha nada demais. Era de botões e mangas curtas, em um tom azul-cobalto que combinava com a pele castanha do meu irmão. Nós tínhamos puxado traços da nossa mãe indiana e do nosso pai negro, e o tom escuro da nossa pele combinava com a camisa azul.

— Você só não tá acostumado a se vestir assim, só isso — falei, usando minha vasta sabedoria sobre Amir Massoud. Franzi o cenho. — Aliás, por que você tá se vestindo assim? Não me diz que o herdeiro reclamou do seu guarda-roupa e agora está querendo impor como você deve se vestir?

Amir revirou os olhos.

— Você precisa mudar o disco, Hanna. Nem tudo se resume à família do Karim.

Soltei uma risada de escárnio e voltei a mexer no celular.

— Aí é que você se engana. Tudo se resume à família dele nessa cidade, e se você tá ignorando isso é porque tá fora de si.

Caidinho de amor, como diria o Calebe. O que me fazia querer vomitar.

Não era que eu tivesse algo contra os Montserrat especificamente, mas tinha tudo contra herdeiros de famílias de dinheiro antigo cujo prestígio conseguia fazê-los terem o que quisessem de mão beijada. Os Montserrat nem eram mais tão ricos hoje em dia quanto já foram, mas ainda assim a cidade inteira lambia o chão que pisavam porque eram os patronos de tudo que Ventura se tornou.