Capítulo 4

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Não é que eu odiasse Sabina Montserrat mais do que qualquer outra pessoa que eu tenha conhecido, mas eu detestava Sabina Montserrat e tudo começou quatro anos atrás, quando eu era caloura.

Como qualquer outra aluna do primeiro ano, eu estava bastante deslumbrada por ter chegado ali. Era uma dessas que sempre sonhou em estudar no Departamento de Arte da UniVe. Amava poder ver de pertinho (o quanto eu quisesse e de graça, já que os alunos não pagavam para entrar no museu) alguns dos quadros e esculturas que estudávamos, incluindo a maior parte das obras de Vicenzo. Para um aluno de História da Arte, viver em Ventura era morar dentro do seu objeto de estudo, onde a linha entre o passado e o presente se estreitava e nos levava a um lugar atemporal.

Era assim que eu me sentia caminhando pelas ruelas de paralelepípedo, passando pelas inúmeras pontes de pedestres da cidade, com a arquitetura europeia do século XV. Era assim que me sentia entre os prédios baixos em tons de amarelo, bege, tijolinhos e pedra, nas feirinhas de artesanato nas praças do centro, nas fontes e esculturas e no domo colorido da igreja matriz, cujas badaladas do sino soavam a cada hora.

A praça do castelo tinha tantas esculturas que era como um museu a céu aberto. A fonte dos gêmeos, como era conhecida por ter as estátuas dos deuses Apolo e Ártemis, era uma das mais famosas da cidade. Foi lá onde vi Sabina pela primeira vez, mas não tive coragem de falar com ela. A coragem só veio dias depois, quando a avistei de novo no campus da universidade, onde ela cursava o quarto semestre de Literatura. Ela estava de pé no gramado em frente ao prédio de Belas Artes e não hesitei em ir me apresentar. Mas o que Sabina fez foi me olhar de cima a baixo com uma cara de desgosto e dizer friamente:

— Quaisquer que sejam suas intenções de se aproximar de mim por causa da minha família, fique sabendo que não faço amizade com alunos do Departamento de Artes.

Abri a boca, chocada demais para saber o que responder.

— Eu não...

— Não me importa — Sabina completou, tão rude que merecia uns tabefes. — Por favor, não se aproxime de mim de novo.

Ela saiu andando sem me deixar terminar e desde então minha antipatia pela garota só fez aumentar conforme fui me dando conta de que ela (assim como seus antepassados mais recentes) eram todos grandíssimos esnobes que andavam pela cidade como se fossem melhores do que todo mundo.

Foi quando comecei a separar os Montserrat de agora e os Montserrat que eu costumava estudar.

Cerca de dois anos depois, tivemos um bate-boca na aula de História do Cinema, que fazia parte da grade do meu curso e Sabina deve ter pegado como eletiva. Na ocasião, começamos a falar sobre ética e eu estava cem por cento contra a separação de autor e arte e a Sabina estava cem por cento a favor. Eu meio que a chamei de riquinha mimada que achava que as pessoas podiam estar acima das consequências dos seus atos e ela, por outro lado, me chamou de hipócrita extremista, o que achei bastante ofensivo e mentiroso. Mas foi a partir desse dia (em que a discussão acabou ficando mais acalorada do que o professor previa) que o desafeto realmente se transformou em inimizade.

— Vocês assistiram o documentário que a professora de Arte Chinesa mandou? — Louise perguntou, com os olhos ainda presos no seu laptop rosé recém-comprado depois de meses juntando o salário do trabalho como entregadora de comida de aplicativo nas horas vagas. Tanto ela quanto eu recebíamos bolsa de iniciação científica, mas eu tinha a sorte de ter o resto das minhas despesas pagas pelos meus pais e pela bolsa de mestrado do meu irmão. Em Costa Malva, tínhamos acesso a universidades públicas de qualidade, mas eram poucas as pessoas que conseguiam o alojamento completamente gratuito.

Felizmente Ventura não era uma cidade tão cara de se morar, ao contrário das capitais.

— Ainda não, mas toda vez que os profes passam documentário como dever de casa eu tenho vontade de morrer — Calebe disse o que nós três estávamos pensando e eu e Lou murmuramos em concordância. Dei um gole no meu café, cansada por ter ficado até tarde na noite anterior terminando mais um capítulo da minha pesquisa da iniciação científica, que tinha tudo para ser também meu trabalho de conclusão de curso no ano que vem... se eu não conseguisse fazer o que queria.

Como Viver Para Sempre (degustação)Where stories live. Discover now