Capítulo 5

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Eu e meus amigos tínhamos um acordo de que, todo trimestre, Calebe tinha um passe-livre para levar a gente aonde quisesse e nem eu nem Lou poderíamos refutar. Quando nos conhecemos ainda calouros, nós três não recusávamos uma única festa, loucos que estávamos pela endorfina de sermos universitários longe de casa. Mas, com o passar dos anos, nem eu nem a Lou tínhamos mais o que era preciso para passar a noite inteira na rua, em lugares que a gente não tinha nem ideia de como tínhamos ido parar e andando a caminhada da vergonha de volta para casa parecendo zumbis.

— Vocês parecem duas velhas — era o que ele dizia quando a gente argumentava que não tinha pique para noitada que durava até sete da matina. — No auge dos vinte anos e sem energia, como que pode isso?

Não que ele estivesse errado, mas não dava para mudar a verdade em nosso ser.

— Não é você que sempre diz que nos ama do jeitinho que somos? — Lou e eu retrucávamos com bom humor.

Foi em um desses momentos que Calebe teve a brilhante ideia do passe-livre e nós duas acabamos concordando, porque, apesar de ele conhecer a comunidade LGBTQIA+ praticamente inteira da cidade, sairmos só os três era sempre mais divertido.

— Aonde você vai? — Amir perguntou, quando deixei o meu quarto. Estava arrumada o suficiente para ele perceber que não iria só me entupir de fast food com meus amigos.

Ao lado dele no sofá da nossa sala, estava Karim Montserrat, me encarando com seus olhos grandes idênticos aos da irmã. Talvez a região dos olhos e o nariz comprido fossem as únicas características deles que eram iguais, tendo herdado os traços da parte paquistanesa da família da sua mãe. Era esquisito ver Karim assim na minha casa, sabendo quando eu estava de saída, me flagrando em momentos íntimos como uma hora atrás, quando abriu a porta do banheiro enquanto eu trocava de absorvente. Soltei um berro e ele gritou também, fechando a porta com força. Mas pude ouvir sua risada do outro lado ao me pedir desculpas e quis morrer.

Cruzei os braços e não consegui fazer contato visual com ele, mas seu olhar sobre mim fez meu rosto queimar.

— No Porão — respondi. Todo mundo conhecia o Porão, o bar/balada mais movimentado da cena underground da cidade. Por isso mesmo era difícil ir a uma festa de lá sem esbarrar em algum conhecido, coisa que eu preferia evitar.

Digamos que minhas habilidades sociais não eram das melhores.

— Ah, eu te falei que a festa de hoje seria boa. — Karim deu um tapa no peito do meu irmão, mas não parecia chateado. Ele me encarou de novo. — Tirar seu irmão de casa pra ir pra noitada é muito difícil.

Pisquei algumas vezes, processando o que Karim estava dizendo.

Você frequenta o Porão? — tentei não soar tão chocada, mas acho que falhei. Amir me lançou um olhar de advertência, porém Karim parecia entretido.

— Sim. Por quê?

Bom, apesar de o Porão ter uma boa reputação e ser popular, a galera rica de Ventura raramente se misturava. O ponto de encontro deles era o 366, o bar do clube de regatas da região. Obviamente, apenas membros podiam entrar e obviamente para fazer parte você precisava deixar uma quantia anual exorbitante por lá. Em um lugar cheio de lagos e rios como Ventura, não era de se espantar que o remo fosse um esporte popular. O time de remo da universidade, inclusive, tinha mais prestígio até do que o de rúgbi, por sempre vencer as competições e formar atletas que chegavam às Olimpíadas. Por causa disso, os remadores eram os poucos que se tornavam membros do clube sem precisar bancar por isso, e se você conhecia algum deles, com certeza já tinha conseguido entrar clandestinamente em uma das festas do 366 — o sonho de consumo do Calebe, diga-se de passagem.

Como Viver Para Sempre (degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora