A Morte de Turin

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— Clavir!

— Fundir!

— Vernar!

Tudo era uma onda de magias, flechas e machados.

Gritos de dor mesclavam-se aos choques da minha espada com as clavas daqueles orcs.

Uma nuvem de poeira subia, perfumando o campo de batalha com o gosto do sangue daqueles que no chão jaziam.

Meu corpo avançava por entre as tropas inimigas, sem destino algum. Era o que meu coração queria acreditar. Ele não queria pensar no peso da responsabilidade que agora lhe esmagava.

Um machado gigante surgiu, voando em minha direção.

— Vibrar!

E o machado explodiu em mil pedaços.

Sorrindo por ter me livrado da morte, o velho Brilhantus avançava comigo, envenenando, paralisando e decapitando inimigos somente com sua magia.

Uma armadura imponente, próximo dali, começou a refletir o brilho do Sol. Segui derrotando alguns inimigos, abrindo caminho até ela.

Meus pés paralisaram, mas não foi por causa de nenhuma magia inimiga.

Uma barba longa caía sobre a armadura lustrosa negra que trazia incrustada na altura do pescoço uma gema em um vermelho sanguinolento: uma Gema do Caos.

O homem não olhou para mim, mas sim para as marcas de Finitus e Gêneses em meus braços.

O brilho vermelho da minha espada se intensificou, da mesma forma que o sorriso maligno daquele que um dia assassinara meus pais.

Nós dois seguramos com ainda mais força as nossas espadas.

Um dos nossos voou longe ao ser atingido pela espada daquele homem cruel.

O sentimento de que o mundo havia parado quando meus olhos cruzaram com os dele não fora real, pois os nossos continuavam caindo só de tentarem chegar perto daquele monstro.

O homem jogou em minha direção uma bola de fogo, que foi absorvida pelo buraco do chapéu pontudo de Brilhantus.

Eu tentei correr em direção à Aspargo, mas Brilhantus, percebendo que o tirano iria invocar uma Magia Abominável, estendeu um braço para impedir minha passagem, e com o outro realizou o contra feitiço.

Aspargo e Brilhantus agora eram uma explosão psicodélica de magias.

Armas não paravam de vir em minha direção. Não tive outra escolha a não ser lutar.

Minha espada cravou no corpo daquele inimigo no mesmo instante em que ouvi o grito agonizante de meu pai. Ele fechou os olhos e se deixou dormir nos braços da morte.

A morte de meus pais e a morte de Brilhantus inundaram meu coração, assim como o ódio que inflamou a minha alma e a minha espada.

Os inimigos voavam para longe ao serem atingidos por mim, enquanto Aspargo ria. Ria porque ele sempre conseguia tirar de mim aquilo que era mais precioso.

Corri em direção a ele, mas antes que eu conseguisse chegar mais perto, o pé do desgraçado pisou forte no chão de terra.

O estrondo ecoou pelo infinito, fazendo os guerreiros — tanto os dele quanto os nossos — desequilibrarem-se e caírem.

Não sei se aquilo foi "Magia Muda" ou apenas fruto do ódio daquele homem. Mas o meu ódio por ele era maior. Tinha que ser.

Ao levantarem, todos os olhares voltaram-se para nós, pois sabiam que o resultado daquele confronto ditaria o futuro daquela terra.

O silêncio povoou o ar, até que Aspargo começou a dizer:

— É você? A esperança da Resistência, o ser do qual nascerá a magia mais poderosa que já pairou por essa terra? Você é apenas uma criança assustada que perdeu os pais. Três, para ser mais exato. Você não pode...

— Flamir!

A bola de fogo que lancei com toda a força do meu ódio pegou em cheio na barba de Aspargo, que tentava apagar a brasa desesperadamente com suas mãos.

— Como ousa!

Aspargo partiu com tudo para cima de mim, desferindo golpes tão fortes contra a minha espada que o choque entre elas quase fazia os ouvidos de todos os presentes explodirem.

Eu defendia de todos os ângulos, com medo do meu corpo se desequilibrar, pois se isso acontecesse seria o meu fim.

A espada de Aspargo encontrou uma brecha, atingindo o peitoral da minha armadura em cheio.

Perdi o ar e fui ao chão, arfando.

Meu ódio deu lugar à certeza de que não era digno nem mesmo de ser o garoto da profecia.

— Turin, tranquilize a sua alma! — gritava Serênia.

— Turin, não beba do ódio! Usei-o contra o seu inimigo! — gritava Irálites.

— Uma mera criança não é digna nem mesmo de estar na minha presença. Você nem deveria existir! Deveria ter morrido, assim como seus pais, que serviram de moeda de troca para a Gema do Caos que está em minha armadura. A sua existência é um erro, uma vergonha! Tudo o que posso dizer...

As palavras de Serênia e Irálites, que tentavam desesperadamente me ajudar, mesclavam-se aos insultos que Aspargo cuspia em minha direção. Aquelas palavras envolviam meu corpo e penetravam minha alma. O turbilhão de palavras passava pela minha mente, subia, descia e nascia de mim como os galhos secos de uma árvore.

Até que o caos transformou-se em silêncio.

Achei que era apenas eu querendo fugir, mas podia escutar ao longe os resquícios daquelas vozes.

Com o silêncio, pude ouvir o som dos meus próprios pensamentos. Eles diziam que eu não era o garoto da profecia, tampouco o órfão de meus pais.

Então quem eu era?

Aquela pergunta ecoou na minha mente. Foi quando todas as imposições do mundo caíram por terra para darem lugar a uma certeza:

"Eu serei quem eu quiser ser."

Meus olhos abriram-se com a surpresa daquela descoberta. Mas, ao olhar em volta, percebi que eu nada conseguia ver. Apurei os ouvidos, mas nada consegui ouvir. Era como se eu estivesse...

"Morto?"

Mas como estava morto se eu podia ouvir claramente aquela certeza pulsando em cada canto do meu ser?

"Eu serei quem eu quiser ser." — minhas mãos agarraram a espada ao chão.

"Eu serei quem eu quiser ser." — meu corpo se ergueu da terra.

"Eu serei..."

"Eu serei..."

"Eu sou!"

Uma explosão ocorreu somente dentro de mim.

Não podia ver, mas disseram-me que as marcas de Gêneses e de Finitus desapareceram dos meus braços.

Minha espada deixou de ser vermelha para voltar a ser a espada enferrujada que Irálites dera-me antes de realizarmos o ritual que a transformaria na "lâmina da morte".

O dia virou noite. Meu corpo voou na direção de Aspargo.

A cada golpe dado por minha espada, algumas partes de sua armadura rachavam e depois explodiam.

Quando Aspargo foi ao chão, meu corpo posicionou-se de pé, acima dele.

Minha espada enferrujada chocou-se contra a Gema do Caos da armadura do inimigo, quebrando-a em mil pedaços e fazendo a alma do tirano ser arrastada de volta ao inferno, em um grito demoníaco de dor e sofrimento.

Quando meus olhos voltaram a reconhecer o brilho do luar, os gritos da Resistência mesclaram-se aos choros de alívio daqueles que um dia foram ameaçados por Aspargo, fazendo a canção da liberdade ecoar por toda aquela terra, naquele instante, e para sempre.

Turin e o Cristal de SangueWhere stories live. Discover now