ⅩⅤ. espelho, espelho meu

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corra, corra
não fique para trás, continue correndo
o monstro não vai parar até que estejamos mortos
todos os arranhões em nossos joelhos
irão te dizer onde nós estivemos, onde sangramos

woodland ─ the paper kites

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Voltei para a enfermaria um pouco depois da chuva de meteoros ter acabado. A enfermeira ainda dormia como uma pedra quando cheguei. Mais algumas horas e estava finalmente livre. Assinei alguns papéis para a liberação e agradeci pelos seus cuidados.

Wandinha e Enid já não estavam mais no dormitório quando cheguei, então tinha o quarto só para mim. Tomei uma ducha relaxante, querendo que todo o peso da minha alma fosse embora pelo ralo junto da água.

Não vesti o uniforme porque não vi necessidade, iria passar o dia sozinha na escola e sem aulas ou supervisão. Acho que é uma boa deixa para conhecer melhor o ambiente. No entanto, só faria isso mais tarde porque usaria a manhã livre para tentar recuperar meus poderes e descobrir alguma coisa sobre magia negra. Pego alguns livros na minha estante mas a maioria deles está relacionado a magia elementar e poções diversas.

Pratico um feitiço ou outro mas não obtenho resultados, nenhuma chama, plantinha, gota d'água ou ventania. Nada. Estou totalmente zerada.

Acendo alguns incensos para ver se isso ajuda, medito por alguns instantes, recito feitiços de concentração e tento novamente. Faço tanta força que meu nariz sangra. Merda, por que isso é tão difícil agora?

── Vamos poderes, não posso parar no tempo. ── Digo e uma faísca surge em minha mão. Tão minúscula que chega a ser vergonhoso para mim. ── Sério isso?

Bufo irritada e vou para a varanda, jogo meus livros em uma das poltronas que tem ali e apoio meu corpo contra o parapeito. Tenho uma ideia meio louca, mas que pode fazer com que meus instintos naturais se aflorem.

Subo no apoio e pulo logo em seguida, fecho os olhos e espero algum reflexo. Como esperado, estou levitando. Abro os braços e curvo um pouco o corpo para me acostumar com a sensação do vento batendo contra meu rosto. Fico de pé e vejo algumas sombras se formando ao meu redor, torno a me aproximar do chão para descer logo em breve.

Manipulo as sombras, elas não são minhas inimigas, não dessa vez. Tenho controle sobre elas e me sinto mais forte à medida que atravessam meu corpo.

Pouso no chão um pouco cansada, mas estou bem. Caminho até a estátua Poe e estalo os dedos. O túnel se abre e eu atravesso, indo até a biblioteca. Está escuro mas uma luz roxa chama minha atenção. Só então me lembro do anel perdido, sabia que o havia deixado aqui.

Faço com que uma chama ilumine melhor o ambiente, atiro-a para trás e deixo que flutue. Noto que consegui fazer algo decente e comemoro. Pego o anel no chão, observando o espelho pelo qual ele brilhava. Ouço algumas vozes vindo de dentro e me assusto, não sabia que espelhos falavam.

Toco no objeto e ele se acende. Penso um pouco e me recordo sobre minha mãe dizendo algo relacionado a um artefato mágico, não seria esse, seria? Se este for o caso, alguém obviamente deixou isso aqui para que eu encontrasse. Não existe outra explicação.

Olho ao redor, uma imensidão de livros que contém segredos a serem desvendados e um poço de conhecimento para aqueles que anseiam se tornar mais poderosos. Esse lugar seria perfeito para mim se não fosse pela presença de certos estudantes indesejados.

Tateio as prateleiras procurando por algum livro que fale sobre a quebra de maldições. Sinto que passei quase o dia todo lendo os textos, mas não achei informações muito úteis sobre espelhos. Existem diversos modos de prender alguém, mas libertar? Acho que ninguém sobreviveu para contar.

Se eu for usar a lógica, posso fazer uma magia reversa com base na maneira de aprisionar pessoas. Só preciso encontrar todos os materiais até a próxima lua de sangue, que ocorre daqui a pouco menos de um mês.

Vou até o espelho novamente.

── Espelho, espelho meu, existe alguém mais poderosa do que eu? ── Pergunto e rio logo em seguida, precisava mesmo tentar isso.

Quando já estou saindo da biblioteca ouço uma voz. Me viro de imediato imaginando ser algum de meus pais.

── Esperei muito tempo por você. ── O homem tem a fisionomia de um demônio, não me assusta mas me surpreende. Quantos demônios estão presos em um espelho? Pelos céus.

── Você é? ── Questiono parando em frente ao vidro.

── Seu pai, filha. Não tá reconhecendo? ── Ele volta ao normal e eu levo a mão até a testa.

── Pelo amor de Lúcifer, não faz isso nunca mais. Cadê a mamãe? ── Pergunto fazendo o espelho levitar.

── Tá dormindo ali atrás ── Ele aponta ── Tá nos levando pra onde?

── Pro meu quarto, não sou nem louca de deixar esse espelho no clube da Beladona. Se caírem em mãos erradas sem chance de saírem daí.

── Hm, faz sentido. Como tá por aí?

Saio da biblioteca, o espelho vem logo atrás de mim como se tivesse vida. O sol já está se pondo, seus raios iluminando meus fios dourados.

── Não pude ir pro dia da Interação, to sozinha no colégio e acho que meus poderes já estão de volta. ── Mostro um raminho crescendo em volta do meu braço. Meu pai sorri.

── E o monstro? ── Atravesso o corredor dos dormitórios mas paro no mesmo instante que ouço o que meu pai diz.

── A Wandinha é quem tá meio fissurada nesse lance todo, tenho certeza que ela foi atrás de alguma informação na cidade. Mas até então só sei o que ela descobre e me conta, o que não é muita coisa ── Volto a andar e abro a porta do quarto ── Você sabe de algo, não é?

── Pouco. Tive uma experiência parecida quando estudava em Nevermore junto de sua mãe, foi na mesma época em que seu tio foi acusado de um homicídio injustamente. É uma história complicada. ── Ele diz e vejo minha mãe vindo atrás dele, ela acena e eu sorrio para a mais velha ── Diziam que havia um monstro chamado Hyde, era uma garota da minha turma, mas ninguém não sei se pararam ela ou coisa do tipo. Acreditam que eles foram extintos há muito tempo, mas imagino que estejam apenas adormecidos. Não sei muito mais que isso, não investiguei a fundo na minha época.

── Bom, obrigada pela conversa. Acho que pelo horário os alunos já devem estar chegando, vou descer para ver se as meninas já voltaram. Vejo vocês mais tarde, talvez. ── Eles assentem.

Toco o espelho e ele se apaga, meus pais somem. Imagino que assim como não posso vê-los, eles também não me enxergam do outro lado.

Estou organizando meus livros, poções e artefatos de magia quando ouço a porta ser aberta.

── O monstro é humano. ── Wandinha diz e eu a olho confusa ── Estava na floresta e as pegadas vão de monstro a humano.

── Isso faz com que nossa lista de suspeitos aumente, pode ser qualquer pessoa, literalmente. Excluído ou Padrão.

Ela se senta na cama e me observa com um olhar estranho.

── Meu suspeito continua sendo o mesmo. Vi Xavier logo depois de fugir do monstro.

── Viu o monstro? ── Pergunto preocupada e ela assente ── Você precisa tomar cuidado com essa sua investigação, da próxima vez é bom me chamar para ir com você.

── Não preciso que me proteja, Pandora. Não sou mais uma criancinha.

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𝐅𝐀𝐋𝐋𝐄𝐍 𝐀𝐍𝐆𝐄𝐋𝐒, xavier thorpe.Where stories live. Discover now