O gosto que nunca provei.

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Desde do colegial sentia atração por mulheres, mas nunca dei-me uma chance de provar. Julgava ser ruim, afinal, conhecia toda a parte ginecológica da mulher por me aprofundar bastante na área. Era tudo muito novo e, preconceituosamente falando, não queria ser mais um desgosto do meu pai sendo lésbica. Meu irmão, o César, sempre relatou que, um dia, eu sairia do armário e poderia assim viver feliz sem me preocupar com o que os outros pensariam - ele é gay. E eu, como uma imprudente, com a mente interligada aos meus princípios bases e por ter escutado muita baboseira do meu pai quando o César se assumiu, somente ria. Não queria acreditar que era gay ou que sentia fiasco de atração por mulheres.

Até conhecer Marília.

Marília sempre muito renomada e com uma autoconfiança exuberante. Prendia o ar todas as vezes em que a via. O seu empoderamento feminino exalava nos corredores da faculdade, por onde ela passava os comentários aconteciam. E eu custava entender o porquê das sensações permanentes que ela deixava em mim.

Recordo-me do dia em que estávamos em uma aula prática de biologia, as duplas foram sorteadas e por azar - eu diria, já que não conseguia me concentrar ao lado dela - fui sorteada para ser sua dupla. De imediato, ela adorou. Não havia malícia em suas atitudes. Ela só era ela e ponto.

Entusiasmada, marcamos de fazermos o trabalho em uma cafeteria próxima a sua casa. O lugar era incrivelmente aconchegante e ela estava radiante. Marília usava um vestido florido, no tom lilás. Seus cabelos presos e os seus olhos tão serenos. Uma miragem.

— Às vezes me dá preguiça de prosseguir com alguns trabalhos, você não sente? - perguntou, retirando o notebook da sua mochila.

— Não. Gosto de estudar.

Marília deu de ombros e prosseguimos. O silêncio era constrangedor. Vez ou outra me pegava fissurada em seus dedos que estavam sob seus lábios.

— Algum problema?

Como estava longe, sequer notei sua indagação.

— Carla? - Ela estalou os dedos, chamando-me.

Assustada, voltei e já quis ir novamente. Não acredito que fiquei com essa cara de retardada olhando os lábios de uma garota. Que antiético!

— Oi… Desculpa, estava pensando!

— Em quê? Minha boca está machucada?

Ela percebeu. Meu Deus, por que eu sou assim?

— Como assim "sua boca" está machucada? - dei ênfase na boca, afinal, queria entender se ela realmente prestou atenção nos meus últimos movimentos.

— É. Você estava completamente fissurada olhando para os meus lábios. Gostaria de saber se há algo de errado com eles.

Pigarreio. Sua voz sai tão docemente meiga que não consigo formular palavras para explicar ou tentar justificar algo que certamente aconteceu, mas quero passar a impressão que não.

— Não estava olhando para os seus lábios, Marília.

— Não?

Meus olhos direcionam-se para sua boca carnuda e tão estranhamente convidativa.

Marília segura meu maxilar e fita os meus olhos. Agora ela está séria, encarando minhas pupilas que, provavelmente, estão dilatadas. Sinto fisgadas em lugares impróprios. O seu olhar me intimida e eu sinto também a necessidade de sair dessa pequena sauna.

Ela não fala absolutamente nada, apenas desce com o olhar e me seca. Marília encara os meus lábios que estão separados um pouco, e sobe com o olhar. Tremo, fecho os olhos e me afasto, relutando da sensação estranha que essa mulher me causa.

One Shots | MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora